sábado

Capítulo 10 - B&B

Eu não vou mentir e dizer que foi libertador chegar em casa depois de tudo. Deveria ser, mas não foi. Uma vez que girei a maçaneta com Bruno a tiracolo me enchendo de mimos. Mas *ta-da* lá estavam os dois, se pegando, no sofá. Não passava muito das quatro da tarde de um sábado nublado, aqueles com cheiro de chuva que não favorecem deixar a preguiça de um colo bom de lado. Eu baixei o olhar constrangido, me desconsertava ver o quanto os dois eram tão irritantemente perfeitos um pro outro. Dois pigarros, o casal voltou ao mundo real, Alice correu pra me abraçar:

- Onde você se meteu, desgraçada?! - ela disse me puxando a orelha. - Eu te procurei em toda parte! Fiquei preocupada... Me desculpe, por favor, eu não devia ter te levado pra lá.

- Foi um favor que você me fez, não precisa de desculpa nenhuma... Fez boa viagem?

- Aham. O Sal foi me buscar na rodoviária. - Ela disse apontando pro moreno sentado no sofá com um sorriso lindo e cheio de pena de mim, e Alice também. Ela tinha contado o que aconteceu, certeza. Quase no nível da indiferença, a pena é um dos sentimentos mais desgraçados que pode se ter por alguém que se importa com você. Me deixava pequena, menor do que eu já era. Pena me dava medo, me fazia mal, me causava raiva. Mas ninguem sente pena por mal, então eu não podia me cobrir de ironias com respostas ignorantes àqueles olhos voltados cálidos e piedosos pesando sobre mim. Eu fiquei calada e só sorri e fui andando até o meu quarto.

Bruno me seguiu carregando minha mochila, deixou-a sobre a minha cama. Me distraí com a janela. Ele segurou os dedos dele entre os meus e sussurrou na minha orelha não mais distraída:

- Imagino que não tenha nada programado pra esta noite além de assistir Ghost com sorvete de cajá, chorando por qualquer coisa que não seja o filme, imaginando o que aqueles dois alí estariam fazendo se a gente não tivesse chegado, imaginando como seria estar no lugar dela, imaginando como seria falar com a sua mãe sobre isso, até partir do suco de cajá pra vodka. Me corrija se não estiver certo?

Eu levantei a sobrancelha sem corrigí-lo. Ele riu.

- Você anda fazendo muitos desses cursos de "Como ser um X-Men" pela internet, não anda?

- Não ultimamente... Mas todos os testes que eu fiz tinham uma alta percentagem entre Jean Grey e Professor Xavier, posso me considerar um licenciado para exercer a profissão. - Eu ri. - Finalmente!

- Finalmente? - Perguntei confusa.

- É o primeiro sorriso sincero que vejo no seu rosto em um bom tempo. - Eu sorri pro chão, e baguncei meu cabelo. Era verdade, o pior é que era tudo verdade.

- É, você está parcialmente certo. Só errou o filme. Hoje eu ia assistir Um Príncipe em Minha Vida. - Sentei na ponta da cama e Bruno deitou na cama de Alice olhando pra mim. - Sou tão obvia assim?

- Você não, seu sorriso é. Aquele que você dá quando finge estar bem, é quase da minha natureza interromper a sua performance. É por isso que eu...

- Quer sair comigo hoje? - Perguntei num impulso ponderado, Bruno recebeu o convite como alguém que leva um chute no estômago enquanto dorme.

- Sair? Tipo, "sair"?

- É. Tipo um encontro. Quer?

- Um encontro. Eu e você. Nós dois. Num encontro... - Ele parou quase um minuto assimilando a ideia. - É isso ou te fazer companhia assistindo um filme sobre uma estudante de medicina e o príncipe da Dinamarca. - Eu sorri de novo. - Mas dessa vez eu escolho o lugar, ok?

- Juro que não vou flertar com o músico dessa vez. Palavra de escoteira. - Falei levantando os dois dedinhos.

- Rebeca - Ele me olhou sério - você nunca foi escoteira.

- O que vale é a intenção, não é? - Eu disse revirando os olhos.

Bruno sorriu torto, levantou da cama de Alice, beijou minha testa, bagunçou meu cabelo, andou até a porta e parou por alguns segundos.

- Bruno. - Ele puxou a porta, mas voltou a olhar pra mim.

- Oi.

- Eu também tenho uma condição.

- Qual?

- Me prometa que não vai ser mais indiferente. - Ele concordou com a cabeça. Virou de costas, puxando a porta de novo. - Bruno.

- Oi.

- Obrigada por me achar e me trazer de volta.

- Não foi um favor, Beca. Não precisa agradecer. - Ele falou sorrindo, e saiu.

~

Três toques na porta, um berro na campainha. Alice atendeu, eu entrei, sentei no sofá e assisti umas duas partes da novela ainda, enquanto esperava. Até que eu senti duas mãos perfumadas (e frias devido ao tempo) deitarem sobre os meus olhos.

- Cinquenta centavos como você não adivinha quem é. - Eu sorri.

- Marcela, eu passei mais da metade da minha vida te dando o mesmo perfume de aniversário todos os anos, tem certeza que quer perder cinquenta centavos, fácil assim? - Ela riu e me deu um beijinho na bochecha . - Tá toda bonita e cheirosa, Joãozinho vai se dar bem hoje.

Fez uma careta me dando um tapa no braço mais próximo dela, ajeitou os cachos e depois sorriu indo até a porta. Mas antes que Marcela saísse, ouvi passos no vão do corredor, me virei e sorri, me senti com seis anos outra vez, com meu coração batendo loucamente ridículo, como na primeira vez que eu a vi. Linda era pouco pra Beca, era quase nada se fosse comparar com ela - E eu nem estou falando do vestido curto e quieto ou da maquiagem discreta.

- Enxuga a baba, Bruno! - Marcela falou.

- Não vai sair hoje, Alice? - Beca perguntou, enquanto colocava o brinco que faltava na orelha direita, vindo na minha direção.

- Não, não. O Sal que vai vir pra cá hoje à noite. - As três se olharam de um jeito estranho e riram de alguma piada que eu não entendi.

- Tchau meninas. Só volto amanhã! - Marcela disse, dando uma piscadela indiscreta pra Alice, saindo e fechando a porta antes de ouvir o "Cuidado, sua louca!" das outras duas que continuavam em casa. Só duas, posto que Verônica (e Breno) haviam viajado ainda ontem.

Então Beca me olhou. E de repente ela era o imã mais poderoso do mundo, enquanto eu era só um metal qualquer. Ela veio até mim e eu sussurrei na orelha dela:

- Anda, a noite nem começou.

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