sábado

Capítulo 14 - Estamos Aqui Pra Isso (Parte 2)

- Vai você. - Marcela mandou, eu reclamei mas fui. 

Fui e tomei um susto.

- Oi. - Era o rapaz, aquele rapaz. Ombros fortes, cabelo curto, moreno, lindas e convidativas mãos. O carinha que eu peguei na festa. 

- Er... Hm... Mmm... - Alguém, por favor, pega uma pá pra juntar os cacos da minha cara e uma vassoura pra varrer toda a ressaca moral que não me permitiu falar alguma coisa. 

- Rebeca, né? - Meu estado de leseira não me deixava falar. - Sou eu, o Gui... 

A gente se conheceu ontem, na festa... - O coitado já tava constrangido e não era pra menos, eu olhava pra ele como se ele fosse um ET.

- Eu lembro de você! - Marcela disse pra salvar minha vida. - Vocês já se conhecem? O Gui faz Educação Física, vai ser o novo instrutor do Centro Comunitário. Beca também dá aulas lá.

- Que bacana. - Foi o que saiu da minha boca. - Colega novo. Super bacana.

- Nossa, que estranho. Eu vim deixar os documentos que ficaram faltando no cadastro lá pra Marcela e te encontro aqui, tô com o seu celular. 

- Meu celular! - Porra, eu tinha perdido meu celular. Gui entregou um envelope amarelado pra Marcela e perguntou: 

- Tá ali no carro, eu to um pouco com pressa, tenho que pegar meu irmão num aniversário, será que você pode descer comigo lá pra buscar? 

- Claro. Vou sim. Sem problema. Aham. 

- Então, obrigada por me receber uma hora dessas. Vou indo. - Ele deu um beijinho carinhoso na bochecha de Marcela. 

- Tchau. - Ela falou. Eu saí acompanhando o rapaz pela escadaria. 

- Desculpa ter saído daquele jeito ontem. - Falei. - Eu tava com a cabeça um pouco longe. 

- Não tem problema. - Ele riu com o canto da boca. - É muita coincidência!

- Verdade. - Eu tentei rir também, só que soou um pouco mais agudo do que eu esperava. - Ér... Como foi mesmo que eu perdi meu celular? - Agora Gui riu com a boca inteira. 

- Bom, você estava tentando sair da festa meio que  desesperadamente, daí eu falei "Você pode pelo menos me dar seu telefone?", então você tirou ele do bolso, jogou pra mim e saiu. 

Eu discretamente escondi meu rosto com as mãos. 

- Me desculpa, sério, me desculpa de verdade. Ontem eu tava fora de mim. 

- Não se preocupe... - Ele disse, enfiando o braço pela janela do carro. - Pelo 
menos foi engraçado. - Pegou meu celular e me deu. 

Nós dois ficamos parados, olhando para a paisagem por uns três minutos inteiros até eu me lembrar que ainda estava com a minha camiseta gigante do Patolino no meio da rua. 

- Então... - Eu disse - A gente se vê qualquer dia?

- A gente se esbarra lá pelo Centro... Eu vou indo. 

- Ér... Vou voltar pra lá. - Apontei pro apartamento, idiota. - E me desculpe de novo. - Gui sorriu mais uma vez, me deu um beijo na bochecha e entrou no carro. 

- Tchau e não se preocupe, moça mais bonita da festa. - "A mais babaca também."

Ligou o carro, saiu, eu voltei pro alto da escadaria e sentei ao lado da cara maquiavélica de Marcela que tava lá stalkeando tudo. 

- Como assim ele tava com o seu celular? 

- Foi ele, o cara que eu fiquei na festa pra fazer ciúmes no Bruno. - Ela fez que sim com a cabeça, depois bagunçou meu cabelo. 

- Como é que você consegue ficar com os caras gatos que eu conheço assim, no mesmo dia? - Eu dei um murrinho no braço dela. 

- Ah cala a boca, Marcela. - E nós rimos por mais meia-hora, dessa e de outras besteiras, até Bruno abrir o portão.

- Boa noite, meninas. - Ele passou deixando um beijo na testa de Marcela, nada pra mim e o perfume na roupa era de mulher, rapidamente entrou em seu apartamento, fechando a porta. 

- Por que você não vai lá conversar com ele? 

- Eu não quero conversar com ele. - "Mentira, eu quero." - Acho que não tem mais nada pra ser dito. - "A não ser esse monte de coisa entalada na minha garganta."

- Bom, você quem sabe. - "Não, eu não sei."

quarta-feira

Capítulo 14 - Estamos Aqui Pra Isso

Eu fiquei sentada naquele sofá, olhando a porta como se tivesse acabado de levar uma bofetada na cara. E olhando a porra da porta eu não sabia no que pensar pra me sentir melhor. Ele havia me derrubado de um jeito que eu não consegui mentir, nem pra mim mesma.

- Por favor me diga que a minha cama não foi maculada. - Alice vinha se arrastando pela parede umas duas horas e meia depois de Bruno ter saído. Esfregando os olhos, sentou do meu lado jogando os pés sobre mim.

- Não se preocupe com isso. - Respondi num sorriso sem graça, olhando pra baixo, tomando um longo gole de café, tentando acordar.

- Bruno ainda tá dormindo? - Ela perguntou.

- Não, ele foi embora. - Eu levantei e fui andando de volta pro quarto antes que ela viesse perguntar qualquer coisa e eu começasse a chorar de tanta ressaca moral pelos últimos cinco ou seis anos da minha vida. - Tem pizza ali na mesa, se quiser.

Ele havia arrumado minha cama, como se nada tivesse sequer cogitado a hipótese de acontecer. E o cheiro dele tinha se empreguinado em tudo bem mais do que deveria. Em tudo, inclusive em mim. Então vamos fingir que eu não chorei feito uma vadia, cheirando meu travesseiro até cair no sono outra vez, beleza?

Acordei com a realidade puxando meu pé.

- BECA! Socorro! Urgente! - Alice.

- O que foi? Quem morreu?

- Meu salto, quebrou. Empresta aquele seu vermelho? O Sal já tá lá embaixo esperando, por favor por favor por favor. O vermelho.

- Pega logo, ta bem aqui debaixo da cama, em algum lugar. - Ela abaixou pra caçar o bendito sapato. - Que horas são?

- Quase onze. - Ela bateu a cabeça no coisa da cama quando eu me sentei. - Ai cacete.

- Humm, tá cheirosa. Menino Sal vai se dar bem hoje?

- Você já se deu muito bem por todos nós hoje de madrugada e além disso a gente ainda tá nisso de ir devagar.

- Em primeiro lugar, a última coisa que me dei hoje na vida foi "bem", e em segundo, se você quiser que eu diga pra ele que você tá odiando isso de ir devagar, eu digo na boa. - Eu ainda consegui rir antes de levar um murro no ombro.

- Se você abrir a boca, eu vou garantir pessoalmente que você não consiga fechar outras coisas nunca mais, Rebeca. - Ela falou, apontando ameaçadoramente o salto na minha direção enquanto calçava o outro.

- Tudo bem, tudo bem, foi só uma sugestãozinha. - Sal gritou qualquer coisa lá de fora, eu baguncei o cabelo dela. - Anda logo, bonitona.

- Vai ficar em casa hoje?

- Amiga, eu tô pensando se eu vou sair desse quarto algum dia.

Alice riu, fechou o sapato, bagunçou um pouco a franja, me jogou um beijinho, sorriu e saiu rodando a saia do vestido, enchendo o quarto de perfume.

Mais de meia hora pra me livrar da extrema preguiça de levantar daquele monte de sei lá, misturado com cachaça, misturado com saudade no cheiro dos meus lençóis.

- Bom dia. - Marcela disse, rindo da minha cara derrotada.

- Bom dia, sua linda. - Dei um beijinho na bochecha dela e sentei no chão, roubando uma das almofadas fofas do sofá. - Cadê todo mundo?

- Alice saiu com o Sal ainda agora, Verônica foi pro cinema com Breno. - Ela falou, sem tirar os olhos da tv ou a colher da boca, me jogou outra colher e indicou com a cabeça o prato ainda cheio de brigadeiro. - Quer?

Fiz que sim com a cabeça, peguei uma colherada bem nutrida e como quem não quer nada, perguntei:

- Sabe se o Bruno também saiu?

- Ouvi Breno falando que ele tinha ido pra não-sei-onde com não-sei-quem.

- Hum... - Automaticamente eu grudei os olhos na tv também.

- Eu também ouvi as meninas comentando que ele tinha dormido aqui. Com você.

- É.

A gente ficou calada até acabar todo o brigadeiro.

- O que você tinha ontem? - Perguntei, desligando a tv.

- Eu descobri que vão haver audições pro Municipal em dois meses.

- E é claro que você vai.

- Não Beca, você não tá entendendo: Eu não treinei o suficiente e além do mais, vão haver um milhão de outras bailarinas lá e... - Marcela começou a entrar num nível de leve desespero.

- Eu garanto que nenhuma delas é melhor, mais esforçada ou mais bonita e gostosa que essa biscate aqui. - E belisquei o braço dela, que riu e deu a volta na mesinha de centro pra me abraçar. - É o seu sonho, e sim, você vai, e se quiser, eu vou lá com você no dia do teste, me sentir gorda no meio do bando de bailarina anoréxica de canela fina! Combinado?

- Combinado. Agora é a hora que você me conta todas as coisas implícitas naquele "É".

- Eu fiz muitas besteiras ontem, Marcela, mas acho que essa foi a única da qual eu não consigo me arrepender.

- Defina "muitas besteiras" por favor, porque a última coisa da qual eu me lembro é de entregar um convite para um rapaz que não falava com você há quase dois meses.

- Ele levou uma perig... alguém, com ele. Daí você sabe o quão boa eu sou em encubar ciúme.

- Mas você sempre foi boa em encubar ciúme, Beca.

- Não depois de algumas vódegas, duas viradas de tequila e meia garrafa de algo que eu não tenho a menor idéia do que seja até agora revirando no meu estômago.

- Apenas. - Ela riu. - Vá, continue.

E eu resumi a noite inteira pra ela. Pelo menos as partes que eu lembrava.

- Muito madura você. - Marcela falou, nada irônica.

- Eu gosto dele, Marcela. Eu fiquei com ele, porque eu pensei que ele ainda gostava de mim também, e que ele tinha levado ela lá só de pirraça, pra me fazer raiva. Eu dormi com ele, disposta a reparar os danos que eu tinha causado da última vez e nos últimos anos. Se ele quisesse eu topava até namorar e todas essas coisinhas cafonas de datas, e mimos, e tal. Mas ele não quis nada disso.

- Como assim?

- Ele passou a noite comigo de pirraça, pra provar pra si mesmo alguma coisa que eu não entendi. E foi embora assim que acordou, sem nem olhar na minha cara.

- Acho que você descobriu onde liga o modo canalha de um bom rapaz e, infelizmente, foram poucas as que conseguiram achar onde desliga isso.

- Engraçado é que eu nunca sei direito o que eu quero, daí quando eu sei... - Eu ri sem graça, Marcela bagunçou meu cabelo e ligou a tv outra vez.

- Não é engraçado, Beca. Pode parar de tentar se fazer de forte, porque só piora. E se ele continuar filho-da-puta, só vai mostrar o tanto que não te vale a pena, mesmo depois desses anos todos que pareceu merecer.

A campainha tocou.

segunda-feira

Capítulo 13 - Galpão (Parte 5)

Olhei pra ela, na minha frente com os braços cruzados esperando que eu dissesse alguma coisa. Mas eu não sabia o que falar. Eu não fazia a menor ideia do que dizer. Então eu agi.

- Que porra é es...?!

Agarrei a cintura dela até tirar seus pés do chão, e antes que as sinapses inundadas de álcool pudessem causar alguma reação, eu a beijei como se o mundo fosse acabar. Imaginando se o coração do desconhecido da festa disparava louco feito o meu com o beijo dela ou se essa macumba com efeito colateral era só em mim.

Eu beijei Rebeca por horas, que nem fosse um castigo e um presente de natal ao mesmo tempo, como se arrancar um pedaço de mim me deixasse mais forte, num pedido de desculpas desesperado dentro de uma acusação rancorosa de afeto. Amarrando meus braços ao seu redor, enquanto ela ainda tentava esmurrar meus ombros na esperança de se livrar e até depois de se dar por vencida, abraçando minha nuca e envolvendo suas pernas em volta de mim.

E só Deus sabe como foi que eu abri a porta daquele apartamento ou como conseguimos chegar no quarto dela.

Eu só sei que a quis com toda a raiva que eu tive em não poder tê-la, com toda a vontade que eu tive de nunca mais voltar pra ela, eu a quis com a certeza de que tudo mudaria. Bem como suas pupilas dilatadas, a respiração ofegante, o resto quase-nada de juízo e suas unhas vermelhas cravadas nas minhas costas me queriam de volta.

Eu só sei que eu perdi totalmente a noção do tempo, que seus jeans e a minha camisa começaram a se jogar no chão sozinhos, junto com a blusa dela e a minha calça ia tudo tomando o mesmo rumo.

Eu só sei que os dois pares de mãos tinham vida própria, caminhavam juntos pelo fim da madrugada e sem restrição alguma. Que o cheiro, os beijos e o desenho dela iam se guardando em mim e que aquelas mordidas iam deixar marcas. Que o ar parecia rarefeito e a gente fechou as cortinas tentando pausar o nascer do sol, pra ele demorar um pouco mais antes de trazer a realidade de volta. Porque sem dizer uma palavra sequer, era só a gente como devia ter sido desde o começo e mais nada no mundo, por enquanto.

- Você ainda vai me odiar de manhã? - Ela perguntou meio sóbria, meio adormecida, com a cabeça encostada no meu ombro, me abraçando. Eu não respondi.

~

Eu acordei antes. Sem conseguir decidir se feliz ou infelizmente com plena consciência da noite inteira, sem a menor ideia das muitas horas que este domingo já carregava e sem tirar um sorriso bobo da cara. Então eu levantei da minha cama, tentando não fazer barulho ou não provocar um terremoto, vesti minha camiseta gigante do Patolino, sentei na cama de Alice e fiquei mais sei lá quanto tempo calada, olhando ele dormindo todo lindo com a cara amassada no meu travesseiro, decidida a comprar todas as linhas, agulhas, SuperBonders ou caixas de band-aid disponíveis na face da Terra, pra remendar o estrago que eu tinha causado da última vez.

Abri a porta com todo o cuidado do mundo e fui olhar o resto da casa, muito mais silenciosa que o habitual. Alice dormindo no quarto da frente, sem o menor vestígio de Marcela, e Verônica devia estar com Breno no apartamento do lado.

Tomei os bons comprimidos pra ressaca, achei um resto de pizza muito convidativo, com um "Bom café da manhã, fui lá pro João" escrito na caixa, mas mesmo assim resolvi incorporar a moça prendada e fazer umas tapiocas pra comer tomando café, preto, forte e sem açúcar.

Pouco tempo depois, ouvi passos preguiçosos vindo do corredor, e quando eu me virei ele tava lá, encostado no vão da porta sem sorriso torto, ou bom dia sequer.

- Eu fiz tapioca. - Eu disse empurrando um dos pratos pra ele, Bruno continuou me encarando e sem se mover um centímetro. - Me desculpa por ontem.

- Você não me deve desculpas. - Ele falou, empurrando na bancada o prato de volta pra mim. - Melhor eu ir agora.

- Fica aqui, o povo ainda tá dormindo. - Eu ia falando e ele andando em direção à porta. - Eu fiz café e a gente tem muita coisa pra conv...

- Não, Beca. Você não lembra? - Bruno abriu a porta, tirando os olhos de mim.

- Eu só quero saber o que você quer de mim.

- A gente não devia fazer isso.

E foi embora sem olhar pra trás. Usar pra poder jogar fora, era disso que se tratava. E de repente era tudo um jogo sem significado algum. E essa madrugada não tinha sido nada, nada além de uma revanche.

quarta-feira

Capítulo 13 - Galpão (Parte 4)

Segurei a mão dele e saí carregando-o para o emaranhado de gente dançando no meio da pista, procurando o lugar com a melhor vista possível que certa pessoa pudesse ter, obviamente sem parar um segundo sequer com os múltiplos flertes recíprocos. Só aí começamos a dançar. E dançar. E dançar.

Uma eu muito concentrada em não torcer o pé - visto que salto e alcóol nunca me foi lá tão boa combinação, mas ainda assim rebolante como nunca, sob uma daquelas músicas que você conhece sem ter a menor ideia do nome ou quem canta, eu dançava com o menino do nome de uma sílaba só, querendo que fosse Bruno no lugar dele. E cada pedaço do corpo dela que Bruno ia mapeando (vulgo passando a mão mesmo), mais raiva me dava de eu não ter me deixado estar lá ao invés dela, então eu ia me chegando mais perto de Gui, eu ia me chegando mais rebolante, provocando de propósito o olhar raivoso que não parava de queimar minha nuca.

E, como eu não valho sequer o que o gato enterra, comecei a ceder um pouco às investidas do rapaz - com direito à cheiro no cangote, mãos gaiatas passeando sabe-se lá por onde e, claro, a clássica e infalível tática do sorriso maroto mordiscando o lábio inferior, com a plena certeza que o rapaz de sorriso torto e ombros bonitos com a periguete que não era eu estava acompanhando a cena passo-a-passo.

- Tem gente demais aqui, você não acha? - Gui perguntou e eu concordei. - Você não quer sair daqui, dar uma volta, ir pra um lugar mais calmo, só nós dois?

Sente o drama.

- Ér...

Alice estava com Sal, por demais concentrada em toda a sua pegação perto do bar pra conseguir dar voz à minha consciência, que tem esse mau costume de ficar completamente muda quando eu começo a beber. Verônica (que eu só conseguia identificar pelo cabelo e a cor da blusa) num canto mais escuro fazia sabe-se lá o quê com um rapaz cuja cara não dava pra ver, mas provavelmente era Breno, ou seja, eu prometo que nunca mais vou beber se minhas amigas estiverem entretidas o suficiente para não vir me salvar de mim mesma.

Foi quando por um segundo eu olhei de lado, lá estavam os braços dele envolvendo a cintura da garota, beijando-a e deixando pra mim um sorriso em deboche, depois de deixar a boca dela. Daí eu resolvi fingir que tava pouco me fudendo.

- Acho melhor a gente ficar por aqui mesmo, não quero que a minha carona me perca de vista. Então... Você vem sempre aqui? - Daí eu beijei o outro rapaz como se ele fosse o último cara com os dentes da frente na face da terra. Ele me beijou, e eu o beijei de volta com tanta vontade quanto.

Porque Bruno não me queria mais, mas eu queria que fosse ele no lugar desse cara que eu conheci há menos de uma hora. Queria que fosse o meu amigo de infância, com o beijo doce que me protegia, passando a mão pela minha nuca enquanto o tempo passava sem sequer a gente notar, e não um estranho que eu nunca tinha visto da vida até essa noite, cujo único lugar onde ele queria passar a mão era definitivamente baixo demais para ser minha nuca.

Daí eu me dei conta de que tinha feito tudo do jeito errado. Daí eu me afastei de Gui, falando qualquer coisa parecida com um "Vou ao banheiro". Daí eu saí andando de cabeça baixa - morrendo de vergonha de mim mesma, e nunca mais voltei. Daí eu bebi uma carrada de tequila de uma só vez e a última coisa que eu consigo me lembrar é dele invadindo o taxi enquanto eu tentava lembrar do endereço de casa pra dizer pro cara.

~

- Que porra é essa agora?! - Ela disse quando eu abri a merda da porta daquele taxi e entrei sem a menor cerimônia.

- Nós vamos acabar indo pro mesmo lugar, de todo jeito.

- Ah, beleza. - Beca falou, irritada, procurando (sem o menor sucesso) o lugar onde a outra porta do taxi abria.

- O que você tá fazendo? - O taxista fingiu que não tinha me visto invadir o taxi e resolveu tomar como rumo o endereço que Beca havia dado.

- Dando espaço praquela menina que tava com você, obviamente. Você não passou a vida inteira se gabando de ser um gentleman? Gentlemans levam as periguetes que pegam pra casa. A não ser que vocês não tenham conseguido decidir se era na sua casa ou na dela e tenham feito alí mesmo, pra aproveitar o banheiro unissex né?

- Para de falar besteira, Rebeca.

- Por que? Vai dizer que você não queria? Porque do jeito que vocês dois estavam numa encenação quase perfeita de como conceber um novo ser humano alí mesmo na pista de dança...

- Se eu e a Ju estávamos enc... - Beca revirou os olhos e gritou com uma raiva que eu nunca tinha visto:

- DÁ PRA VOCÊ PARAR DE CHAMAR ESSA PERIGUETE ASSIM?!

- E por que ela é uma periguete?

Ela ficou calada, fingindo estar entretida com os prédios que iam passando pelo caminho. Eu continuei:

- Pra mim, agir como uma periguete era aquilo que você tava fazendo com um avulso que não deve saber nem o nom... - Ela me olhou, rangendo os dentes de tal forma que eu imaginei o maxilar dela estalando e se partindo em dois. - Esquece.

- Anda, CONTINUA. - Eu hesitei. - Continua, pode falar o quão vagabunda você pensa que eu sou, eu aguento!

- Beca...

- Não, Bruno. Pode continuar com o seu discurso, tava REALMENTE interessante.

- Você entendeu o que eu quis dizer! Você sabe que tá errada! Aliás, como quase sempre! Nem vem dar uma de vítima pro meu lado, eu não caio mais nessa!

- Pois é, você já pegou a vaga de vítima por aqui, não é "Bruninho"?

- Dá pra você parar de fazer essas alusões grotescas à garota que tava comigo?

- Ah, Bruno, faça-me o favor...

- Ela me trata de um jeito que você nunca nem se deu o trabalho, ela me dá atenção, ela é carinhosa.

- Legal! Ela é a sua princesinha de contos de fadas. O único lugar que tem pra mim é o da vadiazona má que quebrou o seu coraçãozinho! TODOS CHORA.

- Era com ela que eu devia estar agora, e não dentro de um taxi discutindo com uma bêbada que mal sabe o que faz ou fala!

- Beleza, então agora me diz O QUE DIABOS VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI? Porque definitivamente não fui eu que te chamei.

- Dá pra parar de ser babaca só por um segundo, Rebeca?

- Não. Não dá.

- Eu vim porque fiquei com preguiça de ter que ir te procurar depois, caso você se perdesse por aí. O que não seria coisa muito difícil, vendo o quanto você está bêbada!

- Quer dizer que agora eu preciso de um guarda-costas!

- Não. De uma babá!

Ela se calou. E foi uma eternidade até o taxi parar e eu conseguir falar:

- Rebeca...

Ela não olhou pra mim.

- Eu já estou em casa, já fez a sua boa ação, ganhou uma estrelinha de bom menino, agora por que você não volta pra festa, ou pra sua adorável acompanhante ou só vai se fuder de um vez? - Ela tirou umas notas amassadas de dentro do bolso, dizendo pro taxista: - Pode ficar com o troco, moço. - E saiu abrindo o portão, subindo a escadaria cambaleante.

Eu saí correndo atrás dela.

- Rebeca... - Ela não parou de andar. - Rebeca, deixa de besteira e olha pra mim! - Ela se desequilibrou por um instante, mas não parou de andar. - Rebeca!... REBECA! - Ela respirou o mais fundo que um ser humano é capaz, parou, virou e ficou me encarando.

- O quê?

sábado

Capítulo 13 - Galpão (Parte 3)

Dois minutos (e mais alguns goles) depois, lá estava eu, atolada entre a cover das chiquititas que se encontrava no colo do próprio Bruno e Alice no colo de Sal e Breno dirigindo, com Verônica ao lado, à caminho de uma outra festa onde nenhum de nós tivesse que servir drinks, e onde eu pudesse abrir a temporada de caça, posto que vocação pra castiçal nunca fora minha praia.

- Então, Rebeca. - Começou a biscate infante, tentando iniciar uma conversa amigável com a única pessoa propensa a cravar as unhas nos olhos dela apenas o suficiente para que ela precisasse de um cão-guia. - Bruninho me falou que foi você quem arranjou o convite. Obrigada.

O dispositivo de sarcasmo do meu cérebro foi ativado ao nível máximo (ainda sem decidir se o que o disparou foi o "Bruninho", ela ter pensado que eu arrumei o convite pra ela, ou o fato dela parecer bem mais jovem e simpática e bonita que eu). Um dos sorrisos mais cínicos do meu acervo com uma resposta tão ácida quanto as dezenas de limões que eu havia metido nos drinks a noite inteira. Mas Alice foi mais rápida que o meu raciocínio estremecido pelo álcool corroendo determinadas partes do meu bom senso. Segurou minha mão, fazendo um rápido sinal negativo com a cabeça e mudou de assunto para o quanto ela estava alegre em ver Sal e eu trabalhando juntos, me deixando extraordináriamente mais confortável. Ou não. Ou definitivamente não.

Isso monopolizou a conversa até chegarmos à entrada da outra festa, quando pararam pra prestar atenção no tanto de pessoas que era possível caber num Astra enquanto descíamos dele, não teve nenhuma alma sã pra calar minha boca e eu finalmente pude começar a destilar meu veneno na criança indefesa de Bruno.

- Vocês ainda não me contaram a história de como se conheceram, não é Meli...? Tai...? Como é mesmo o seu nome?

- Juliana. - Ela disse tentando sorrir mais do que realmente queria, Alice logo atrás da gente só fazia rir e balançar a cabeça negativamente olhando para a minha pessoa.

- Juju querida, claro, como eu poderia esquecer, então, vocês se conhecem há muito tempo? - Perguntei, entrando na boate, sendo horrorosamente simpática e sedenta por álcool como nunca dantes navegante pelos caminhos tortuosos da imensidão oceânica dos porres.

A meretriz em forma de guria iniciou todo um discurso provavelmente ensaiado - sobre uma loja de camisas masculinas, um sorvete de casquinha, as formidáveis costas do Bruninho dela e uma chuva de flertes mútuos há mais ou menos duas ou três semanas - como se eu fosse realmente prestar atenção. E quando ela terminou de contar toda a historinha sem graça de se querência à primeira vista dos dois a única coisa que eu consegui dizer foi:

- Aham, fofo, mas vem cá... Quantos anos você t...? - Verônica e Alice me interromperam, carregando-me violentamente para o desconhecido.

- Tá bom, Beca. Você já falou o suficiente para se odiar quando acordar amanhã. - Verônica disse, comentendo o erro fatal de me encostar na cadeirinha do bar.

- E vocês queriam que eu fizesse o quê? Ficasse calada vendo esse bocó esfregar a criança que ele adotou como a da vez pra comer, na minha cara?

- Essa aura nebulosa vindo da sua direção é tudo ciuminho, dona Beca? - Alice começou.

- Claro que não.

- Como não, Rebeca?! Você tá verde de tanto ciúme do fato de Bruno estar aqui e - Verônica apontou e lá estava Bruno enterrando a língua dele inteira na garganta da menina. - não ser você sendo parcialmente deglutida alí nos braços dele.

Eu me virei pro cara do bar:

- Moço, uma vodca, por favor. - Olhei outra vez pra elas - Vocês estão completamente loucas. - Peguei o copo com a dose e virei. - Outra dessa, por favor moço. Vocês duas estão ficando doidas.

- Não moço, não precisa. - As duas disseram ao mesmo tempo, eu olhei outra vez pra Bruno, sorrindo cafajeste pra ela de um jeito que ele nunca sorria pra mim, dançando a música lenta com as mãos na cintura fina dela, trazendo-a mais pra perto.

- Ah, precisa sim! - Eu disse, tomando o copo da mão do cara do bar e virando tudo de uma vez só antes que as duas pegassem antes de mim.

- Você já tá meio bêbada, Rebeca. Vamos parando por hoje.

- "Parando"? - Disse rindo, ao levantar da cadeirinha do bar. - Meus amores, eu só comecei. - Alice revirou os olhos. Verônica riu. - Agora vocês podem voltar aos seus digníssimos. Eu vou caçar um para mim, uma vez que eu cansei de segurar vela de vocês por hoje. - Eu olhei pra Bruno de novo. - De todos vocês.

Olhei de lado, havia um belo rapaz, ombros fortes, cabelo curto, moreno, lindas e convidativas mãos. Alice e Verônica deram a volta e foram para seus boys. Joguei o cabelo pro lado, mordi o canto da boca e sorri, dando dois passos rebolantes em sua direção.

- Oi. - Falei pra ele, enquanto pedia um outro drink ao cara do bar.

- Olá, moça mais bonita da festa. - Velho truque do sorriso tímido. - Eu até me ofereceria pra pagar este drink para uma mulher linda assim, se a festa não fosse open bar. - Sempre funciona.

- Tenho certeza que um rapaz tão educado assim até me chamaria pra dançar. - Respondi tomando um curto gole da taça que o moço do bar me havia entregue, checando a localização de Bruno, se esfregando horrores na crica no meio da pista de dança, uma vez que o que eles tavam fazendo tava bem longe do verbo dançar. O meu alvo falou no pé do ouvido, chegando mais perto:

- Esse rapaz educado precisa necessariamente saber dançar?

- Não, até porque seremos dois sem saber em que parte do outro pé pisar primeiro. - Ele riu e tirou minha franja dos olhos. - Posso saber o nome desse rapaz pra pararmos de falar na terceira pessoa?

- Gui. - Ele disse, estirando a mão pra mim. - E você?

- Rebeca, prazer. - Você não tem ideia do tanto.

quarta-feira

Capítulo 13 - Galpão (Parte 2)

Quase meia noite e os ombros dele se puseram à minha frente, as garrafas das cachaças coloridas girando entre meus dedos, e entre os dedos dele havia uma mão com as unhas esmaltadas em tons pastéis, quase tão tom pastel quanto a minha cara quando os vi.

- Ei gata, um Sex On the Beach, um Dry Martini, uma dose de uísque, uma dose dupla de vodca, uma garrafinha de Ice e o seu telefone num guardanapo por favor? - Falou Breno, ganhando um beliscão de Verônica em meio aos risos. - Tudo bem, tudo bem, não precisa do telefone. Você mora no quarto ao lado mesmo.

- Que engraçado, você. - Eu disse, rindo. - Cadê Marcela?

- Ficou esperando o João pra vir. - Respondeu Verônica, jogando suas madeixas louras para o lado, enquanto eu preparava as doses batendo o pé involuntariamente com a batida da música.

- Ela tá esquisita. - Falei, ainda ignorando o gêmeo de Breno, com a periguete (que parecia ter, sei lá, nove anos) atracada no pescoço, dançando irritantemente compassados com o som.

- Também notei. - Ela disse, pegando sua taça poderosa de Dry Martini, entregando o uísque de Breno.

- Cadê Alice? - Breno perguntou, levantando a Ice dela. - Ah, tá alí.

Ela estava linda, sorrindo no meio da musica alta que odiava, só pra mostrar para o rapaz moreno e musculoso com a camisa preta igual a minha, perto das mesas, o quanto ela estava feliz por ele. Tanto quanto eu estava feliz por ele.

Mas nada disso importa, pois eis que os ombros pararam de siricutear ao redor para poder pegar a vódega e o drink cujo nome a periguete deve ter visto num filme qualquer.

- Muito bom esse lugar, ein Beca. - Bruno disse, sorrindo torto e convencido pra mim, pobre mim, que não conseguia sorrir, nem mesmo acenar pra disfarçar o ciúme filho da puta tomando conta de tudo por dentro de mim. - Obrigado pelo convite.

- De nada, Bruno. - Disse, tentando fazer com que minha voz não parecesse tão afetada, sem olhar muito bem nos olhos dele, entreguei as bebidas. - E essa mocinha, tão linda... Pegou pra criar foi?

Juro que soou menos recalcada na minha cabeça.

- Ju, essa é a Rebeca, Beca, essa é a Juliana. - A periguete mirim era mais alta e mais simpática que eu. - Ela acabou de se mudar.

Ele falou, mas eu fingia estar prestando atenção no pedido de um grupo que chegara no lugar de onde Breno e Verônica haviam acabado de sair.

- Eu pensei que você fosse melhor do que isso aí. - Bruno sussurrou, certificando-se que eu estava ouvindo. E a garota foi com ele, saindo de perto da minha bancada com um olhar de reprovação. E começaram a dançar alí por perto. Ele sem soltar da mão dela. Talvez ele quisesse que eu ficasse feliz por vê-lo esfregando aquela criança na minha cara sob a música alta que começava a doer nos meus ouvidos.

Então eu fiz os próximos sessenta drinks stalkeando os dois casais dalí mesmo. Vendo Sal revezar seu tempo em atender quase todas as mesas da área VIP e olhar apaixonado pra Alice que lhe mandava beijos invisíveis entre uns goles e outros; e formulando diálogos que eu nunca teria com Bruno, enfatizando vários pontos importantes nunca dantes discutidos. Algumas coisas como o quanto as calças dele pareciam mais apertadas que o necessário, ou da remota possibilidade dele ser incinerado enquanto dorme da próxima vez que resolvesse praticar pedofilia na minha frente, ou do fato de eu estar exalando ciúmes sobre as cachaças coloridas e mais um monte de outras coisas que obviamente eu não falaria pra ele nem sob efeito de drogas pesadas. Marcela não deu sequer as caras, tinha alguma coisa errada. E nessa já eram quase três e meia quando acabou o meu turno.

- Olá. - Era o chefe.

- Opa. - Falei tentando parecer simpática. - O que vamos tomar hoje?

- Você, provavelmente uma bebida bem forte pra comemorar. E eu te acompanho. - Eu o olhei confusa. Dois rapazes chegaram de lado e pediram algumas Ices.

- Licença, Renato, um minuto. - Me afastei pra poder entregar as garrafinhas pro rapaz mais baixinho que soltou uma cantada barata depois que eu me virei, assim como o meio mundo de caras desacompanhados (ou não) os quais eu tive de servir esta noite. Apenas virei pra eles e sorri. - Podem voltar quando quiser. - Retornando assim ao meu posto original. - Então... Comemorar? Por que?

Renato riu um riso moleque que muito me lembrou o meu próprio riso.

- Você é diferente. - Ele disse antes de beber mais alguns goles de sua própria dose de vódega com alguma coisa colorida dentro.

- Como assim?

- Seu turno acabou tem 10 minutos e você ainda está aí atrás desse balcão e não lá com seus amigos. - Explicou, apontando discretamente para a mesa onde Breno, Verônica e Alice riam de alguma coisa provavelmente muito engraçada e Bruno continuava completamente focado em se querer para a pirralha de olhos verdes, toda derretida, periguete. - Ponto pra você. - Eu ri. - A sua bancada foi a que teve mais saídas esta noite.

- Sério? - Renato fez que sim com a cabeça, e só então eu me dei conta das fichas (que equiveliam às bebidas) que não cabiam mais na latinha.

- Aham. Ponto pra mim, que realmente acertei quando te coloquei na área VIP, garota. Então, brindemos?

- Posso? - Perguntei, levantando minha garrafa de cachaças coloridas favorita, sem ter a minima idéia de que bebida havia dentro dela.

- Se você aguentar, Rebeca, pode até secar essa garrafa inteira depois do lucro que você deu pro Galpão esta noite. - Nós rimos, eu enchi o copinho até a boca. Brindei com o chefe e bebi a dose. Renato, muito simpático, despediu-se de mim e saiu. Eu já estava guardando a garrafa de volta no lugar para sair de lá, mas por um segundo hesitei.

Quando olhei de lado e Bruno finalmente tinha conseguido roubar um beijo da periguete juvenil. Um beijo filho da puta. E era tudo o que eu via no fundo daquele copo. Tava nem aí se era whiski, vódega, tequila ou cachaça. Virei outra dose e mais umas três que nem ela, pra tentar aguentar aquela sensação esquisita que tomou conta de mim. É, Bruno, você conseguiu. Eu estava me embriagando de você. Três dedos de você com gelo, amargo e sem mim.

quinta-feira

Capítulo 13 - Galpão

- Vocês pegaram os convites, né? - Perguntei por garantia antes de sair de casa, amarrando o cabelo num rabo de cavalo.

- Já tá tudo aqui, Beca. - Alice falou, balançando os envelopes pretos da porta do quarto.

- Não se preocupa que uma hora a gente vai aparecer por lá. - Disse Verônica, enquanto procurava sua toalha pela casa.

Marcela estava incomumente quieta, sentada numa das cadeiras altas do balcão e zapeando pelos canais da tv como se não houvesse amanhã. Eu cheguei pertinho dela.

- Ei. - Ela olhou pra mim. - O que foi?

- Não foi nada, Beca. - Marcela disse, abrindo um sorriso carinhoso, fastando meu cabelo pra trás da orelha. - Não se preocupa comigo não.

- Minta comigo, não pra mim. - Eu segurei a mão dela. - Nunca te vi desse jeito.

- Anda. Senão você vai acabar se atrasando. - Ela falou, pulando da cadeira e me empurrando até a porta. - A gente conversa outra hora, tá bom?

Fiz que sim com a cabeça, abri minha bolsa e tirei o convite que eu não tinha tido coragem pra entregar.

- O meu já tá alí com a Alic...

- Ele não tem falado comigo. - Eu interrompi. - Desde aquele dia... Eu não tiro a razão dele. Só achei que a raiva não duraria tanto tempo. Então eu pensei que se fosse você a entregar o convite... Ele poderia ir. Você faz isso por mim?

- Claro que eu faço, Beca. Mas eu não vou dar garantia nenhuma que ele vá até porque já tá em cima da hora.

- Não custa nada tentar. - Suspirei desanimada, segurando a maçaneta da porta. - Ainda bem que eu não quebro garrafas com a mesma facilidade que eu tenho pra quebrar o coração dele. - Marcela riu e me deu um beijo na bochecha. - E você, fica bem, tá? Quando eu chegar vou querer saber dessa historia aí. - E gritei - Tchau!

- Tchau! - Gritaram Alice de dentro do quarto e Verônica de dentro do banheiro.

- Boa sorte, Beca. Até mais tarde.

~

Alguém bateu à porta.

- Sou eu. Marcela.

- Anda, tá aberta. - Falei sem tirar os olhos da tv.

- Tenho convites, quer sair comigo? - Ela disse, entrando com um par de envelopes à mostra. Eu fiz uma careta quando reconheci a letra.

- Melhor eu não ir. - Fastei do lugar pra que ela sentasse ao meu lado.

- Vai ficar sem falar com ela pelo resto da vida, é isso?

- Não põe as coisas desse jeito. Você deveria entender o meu lado também.

- Isso é um pedido de desculpas. - Marcela disse, balançando o convite na minha cara. - Bruno, você conhece a Beca. Em certos sentidos até bem melhor que eu! Ela não faz essas coisas por mal.

- Ela faz tudo pelo bem, dela. Mas ainda pelo bem... Não me olha assim. Você sabe que eu não tô mentindo.

- Bom, daqui a pouco eu me arrumo e vou. - Ela levantou. - Seu convite ta aqui em cima. - Pôs o convite no balcão da cozinha e foi andando pra porta. - Tá mesmo nos seus planos, isso de punir a Beca pra sempre?

- Eu não sei do que você tá falando. - Marcela murmurou alguma coisa como "beleza" e saiu.

Levantei e andei até o convite. Eu olhei pra letra dela, o envelope roxo olhou pra mim. Falei um palavrão sozinho. Eu vou nessa bosta. Mas eu não vou sozinho.

Peguei meu celular, olhei a agenda. Olhei de novo. Pensei um tempo e disquei.

- Oi linda. Tá livre agora à noite?... Tenho um lugar pra nós dois.

segunda-feira

Capítulo 12 - A linda dele (Parte 3)

- Ei menina. - Eu ouvi a voz dele saindo do apartamento direto pros meus ouvidos. - Vai passar outra noite acordada?

O sorriso torto dos ombros bonitos veio andando e sentou do meu lado. Eu fiz que não com a cabeça, e sorri meu sorriso de mentira, enxugando os olhos. Ele segurou minha mão.

- Eu não consigo. - Falei.

- O quê?

- Fazer isso que você faz. Fingir que não aconteceu nada.

- Achei que era o que você queria. - Eu levantei a sobrancelha com o olhar perdido nas luzes da rua.

- E desde quando eu sei o que eu quero?

- É verdade. - Bruno soltou minha mão e ficou de pé. - Você só sabe das coisas que você não quer, não é?...

- Bruno... - Eu tentei, mas ele me interrompeu.

- Bruno nada. Aliás, Bruno nunca! Não dói não em você? Isso de brincar e jogar fora depois? Eu passei a vida toda apaixonado por você, eu pensei que aquela noite ia fazer alguma diferença, eu pensei que... - As ironias eram agulhas de tortura, cuspindo na minha cara uma palavra após a outra, rasgando tudo devagar. - Eu pensei que fingir que nada aconteceu ia deixar você ser minha. Eu pensei que eu podia ser alguém pra você. Que coisa, não?

Continuei com a cabeça baixa, incapaz de olhar nos olhos dele.

- E você fica aí sem falar nada.

- O que você quer que eu fale?

- Você poderia me tirar logo essa angústia do dever para o qual fui encarregado, de ser estepe de um amor que você nunca vai ter. - Ele disse num sorriso cínico de maior abandonado, sabendo perfeitamente que aquela última frase acabaria com qualquer pedaço de mim que restasse. E acabou.

- Eu me casaria com você. - Eu disse, com cada pedaço de mim doendo, e doendo tanto assim, eu não conseguia sentir mais nada, nem as lágrimas que saiam por si só dos meus olhos. - E teria gêmeos se eu tivesse coragem. Eu te ligaria tarde da noite pra dizer que te amo mais que qualquer pessoa na Terra se não fosse mentira. Nunca foi minha intenção te fazer mal, vai ver... Não, vai ver nada. É um fato. Você merece um alguém melhor do que eu, só isso. Você é o cara que toda mulher sonha encontrar e você não tem idéia de quantos órgãos eu venderia pra ser uma dessas mulheres. Mas eu não sou, Bruno.

- Não precisava vender órgão nenhum. A única coisa que eu queria era que você tivesse pelo menos tentado me dar seu coração e eu tentaria te fazer a mulher mais feliz do mundo.

- Desculpe por ter te feito perder tempo.

- Tempo é negócio que passa e a gente nem vê. - Ele respondeu andando em direção ao apartamento do lado. Segurou a maçaneta, girou, mas ficou lá parado por alguns instantes antes de dizer: - Uma pena mesmo, foi só eu ter me perdido em você. Porque eu sei que não vou me ter de volta tão cedo.

- Boa noite, Bruno.

- Não dessa vez.

domingo

Capítulo 12 - A linda dele (Parte 2)

Meu amor por ele era tão platônico quanto o amor que eu tinha por todas aquelas coisas das prateleiras do supermercado que a minha mãe nunca me deixava ter. Todas juntas. Dos danoninhos que congelavam às coleções de meio milhão de cores da Faber Castell. Coisas que eu nunca tive. E aquele beijo na minha testa me doeu mais do que o normal. Doeu como levar uma machadada na auto-estima que já me era pouca, doeu porque aquele beijo agradecia por um amor que não era meu. Doeu como se picotassem meu coração com uma faca cega. Doeu como as coisas que eu nunca tive me doíam. Assim como eu nunca o teria.

Eu girei a chave na porta, Sal entrou no apartamento logo depois de mim. Verônica estava entretida com a novela, sentada no sofá da sala e Marcela lavava um resto de louça. Eram umas nove e pouco quando ele perguntou, passando o olhar pela sala depois que eu dei boa noite sozinha e joguei minha bolsa sobre o balcão:

- Cadê a Alice?

- Tá lá no quarto. Terminando um trabalho eu acho. - Marcela respondeu. - Pode ir lá.

Sal fez que sim com a cabeça, foi andando pelo corredor e deu uns três toques na porta. Ela abriu. Sem falar nada. Nem oi, ou boa noite. Ele entrou, ela simplesmente fechou a porta. E, obviamente, eu e Marcela corremos cada uma com um copo pra encostar a orelha na porta e escutar a conversa.

-... Se foi só pra dizer boa noite que você veio aqui eu acho que você perdeu seu tempo. - Alice falava ríspida, provavelmente sem olhar pra ele.

- Que tenso, gente. - Marcela comentou num sussurro do meu lado.

- Me mata isso de você me tratando desse jeito. Eu vim aqui pra acertar as coisas com você, Alice, e olha o jeito que você me recebe. Tira esse monte de pedra da mão e olha pra mim. Por favor. - Eu imaginei que ele virando delicadamente o rosto dela pra si, passando a mão pelo desenho do rosto dela.

- Eu... Eu estive pensando, e talvez... Talvez não fosse pra ser... Nós dois, Sal. A gente é muito diferente... S-são mundos diferentes. - Ela falava sem conseguir concluir o raciocínio, gaguejando como fazia quando estava com medo.

- Ela tá terminando com ele? - Sussurrou Marcela, eu fiz um "cala a boca" e continuei prestando atenção no som que saía de trás da porta.

- Mundos diferentes? - Ele repetiu e ficou calado por um tempo até respirar fundo e dizer tudo de uma vez. - Meu mundo gira em torno da saia do seu vestido, do desenho da sua boca, e na rouquidão da sua risada. Meu mundo bate no coração do seu peito que apressa o passo quando fica desse jeito assim, perto do meu. - Mesmo que eu não pudesse ver, ainda conseguia ouvir daqui o que seriam prováveis soluços do choro de Alice, se chegando num abraço dele. - Meu mundo são os lugares onde você já passou, são as fotos que você tirou, são as músicas que eu ouvi pensando em você. O meu mundo é você, minha menina linda. Você, seus tênis riscados e a sua câmera. Você, aquela camisa do Red Hot e a nossa dança. Você, seus olhos dessa cor que eu não sei o nome e aquele som que tu faz mastigando bolacha de água e sal. - Ele parou um minuto e ela perguntou num leve tom de desespero:

- E sobre o que aconteceu naquele dia?... E se eu não conseguir? E se... Você for embora depois que me tiver?

- O que eu sinto por você é amor, não uma lata de doce de leite. - Sal respondeu como se tivesse se ofendido com a pergunta dela. - Eu não vou enjoar de você, nem jogá-la fora quando o doce acabar, por favor, acredite. Eu vou estar aqui, enquanto você quiser que eu esteja, enquanto você puder me aguentar. - Meus olhos encheram d'água, Marcela me olhou com dó, sem dizer nada. Eu sabia que era um pedido de desculpas implícito no beijo que ele deu nela antes de sussurrar (provavelmente, em sua orelha) - Eu sou seu, minha linda.

Marcela tirou o copo onde eu estava encostada da porta.

- Você não tem que ficar ouvindo isso, Beca. - Ela cochichou - Pare de se torturar.

Eu segurei o copo, enxuguei uma lágrima teimosa que me tinha caído, saiu rasgando meu rosto. Sorri, cochichando de volta pra Marcela.

- Eu só estava... Tentando me convencer. É ela, a linda dele. Não eu. - Tirei o copo dela da porta também. - Deixa os dois conversarem sozinhos. Anda.

E fui andando de volta pra porta, deixando os copos sobre o balcão da cozinha, os dois sozinhos no quarto que era meu também, abri de leve a geladeira sem muito prestar atenção no que pegar e saí pra me sentar na escadaria tomando meu Toddynho e chorando sozinha como se não houvesse amanhã.

quarta-feira

Capítulo 12 - A linda dele

Foram horas tentando assimilar nomes de drinks e sacodindo copos tentando conversar e parecer bonita ao mesmo tempo. Meus futuros colegas de trabalho pareciam muito com todas aquelas pessoas bonitas que se vê nas revistas, os rapazes - fossem seguranças, garçons, barmans ou gogo-boys - eram daquele tipo que devia fazer chover mulher, e as mulheres - fossem o que quer que fossem, bem... eram re-al-men-te lindas, e eu definitivamente não sabia o que estava fazendo lá.

- Rebeca. - Uma voz grave me chamou, enquanto eu tentava decorar a ordem das cores das garrafas embaixo do meu ponto no bar, depois de anunciado o intervalo dos workshops.

- Pois não? - Respondi, levantando rápido e (pra variar) taquei a cabeça no balcão. - AI. Ai. Desculpa. Ai. Oi chefe. - Alguém pode por favor me arrumar um buraco pra enfiar minha cabeça. Com gelo, por favor.

- Cuidado aí, menina. - Ele falou, me ajudando a sair enquanto eu esfregava minha testa. - Hahahaha.

- Tudo bem, seu Roriz. Ótimo que agora eu sou a piada do chefe. - Ele continuou rindo.

- Seu Roriz é? - Eu fiz que sim com a cabeça.

- Ou prefere só chefe mesmo? - Discordando de mim, ele sorriu e pegou um saquinho no bar, encheu de gelo e botou na minha cabeça.

- Seu Roriz é o meu pai. Pode me chamar só de Renato mesmo.

- Beleza. - E apontei pro saquinho, sorrindo. - Obrigada, Renato.

- Os instrutores falaram bem de você.

- Te disse que eu aprendia rápido. - Renato concordou, então de repente eu estava fazendo alguma coisa certa.

- Tudo bem, vou parar de te prender pra você ir aproveitar seu intervalo. - Ele apontou pra perto da mesa de aperitivos - Seu namorado não pára de olhar pra cá.

Era Sal, acenando quando eu olhei. Eu levantei a sobrancelha e tirei o saquinho de gelo da cabeça.

- Ele não é meu namorado. - Falei. Renato sorriu, deu meia-volta e disse antes de ir andando até sua sala:

- Que azar, o dele.

Não deu dois minutos e Sal veio andando até onde eu estava, me ofereceu um pratinho cheio dos negócios da mesa e sentou do meu lado, sem dar uma palavra.

- Nossa, eu nem sabia que ainda existiam Tortuguitas. - Eu disse enquanto devorava a cabeça e as pernas de uma das que ele me havia botado no pratinho.

Sal concordou com a cabeça, abocanhando uma delas, toda de uma vez, olhando pro nada, sem dar uma palavra. Eu amarrei meu cabelo e soprei a franja dos olhos.

- Você quando tá com a Alice passa o tempo inteiro assim calado ou eu sou tão desinteressante assim pra ficar ignorando até minhas m...

- É que eu quero falar com você. - Ele me interrompeu. - Só não sei como começar, nem sobre o quê, mas eu adoraria falar com você, Rebeca.

Um pequeno sorriso irônico se abriu na minha boca enquanto eu jogava alguns cinco pastéizinhos nela.

- Eu sou uma pessoa. - Mastiguei duas ou três vezes e enoli. - Não um bicho. - Sal riu.

- Do jeito que você come, parece mesmo um bicho. - Eu ri e dei um murro carinhoso no braço musculoso e escultural tão lindo quanto o sorriso dele.

- Mas e aí? Como está indo seu treinamento?

- Tá bacana o negócio. Não quebrei nenhum copo, não derrubei nenhuma bandeja... A moça da instrução olhou tanto pra minha bunda que eu acho que vou ficar na sala VIP. - Nós dois rimos por um tempo até ele ficar sério outra vez. - Não fala da moça da instrução pra Alice não, tá?

- Tudo bem, eu entendo... Sem querer eu ouvi vocês dois conversando hoje depois do almoço.

- Era sobre ela que você queria falar quando me mandou aquela mensagem, né? - Eu confirmei com a cabeça. - Depois de domingo eu fiquei sem a menor ideia do que fazer, ou de como agir. Alice é diferente de todas as mulheres com quem eu já estive. Diferente demais.

- Garotão, vou te contar um segredo: Todas as mulheres são diferentes umas das outras. A diferença é que Alice te é mais especial do que todas as outras porque você gosta dela e é de verdade dessa vez. Então, por favor, não seja burro ou infantil de perdê-la só por medo de ser tão importante pra ela quanto ela quer que você seja. Seja calmo, paciente, doce, carinhoso e, principalmente, tenha cuidado com a minha amiga. Se você a ama de verdade, não vai magoá-la. Porque se você magoar a Alice, aí sim você vai ter problemas.

- Você tem razão.

- Acostume-se. - Falei, levantando a sobrancelha. - Eu sempre tenho.

Ele riu e levantou quando anunciaram o fim do intervalo, falando:

- Bruno devia tomar cuidado. - Eu sorri confusa. - O chefe parece estar adorando isso de dar em cima de você.

- Deixa de falar besteira e vai pra lá carregar copo, eu vou ficar aqui aprendendo a embebedar as pessoas. - Nós dois rimos. Sal me segurou pela mão, para que eu me levantasse e meu braço inteiro se arrepiou num segundo. Corri pra tirar minha mão da dele antes que ele pudesse notar. - Anda, antes que eu perca meu emprego e você o seu, a moça tá chamando.

- Obrigado, Beca. De verdade. - Eu ri muito, voltando pra trás do meu ponto no bar.

- Não gasta todos os agradecimentos de uma vez só não que eu tô prevendo muito tempo pra frente ajudando nesse namoro de vocês dois.

- Beleza... Eu volto pra república com você quando acabar aqui, tudo bem? - Fiz que sim com a cabeça, acenando um vá embora com a mão.

- A gente se vê na saída então, garotão. - Ele deu meia-volta e foi andando até o seu próprio setor, e eu toda bocó olhando o desenho dos ombros dele sob aquela camisa bonita. E bem que a instrutora tava certa, com os atributos que tem esta criatura de Deus, devia ser crime ele andar por aí sem nenhum aviso prévio. Suspirei me deixando roer de carência, decorando o desenho das costas de Sal por um segundo ou dois, até tomar vergonha na cara e voltar pras minhas cachaças coloridas.

~

Quando eu saí ela já estava perto do portão, sentada sozinha debaixo da luz do poste, rodando entre os dedos uma garrafa de um jeito bonito, parando-a no ar e enchendo um copo imaginário com a outra mão.

- Olá. - Eu disse, e Beca tomou um susto, quase derrubou a garrafa e o copo imaginário, se fosse de verdade, teria se espatifado todo no chão. Ela xingou algo que eu não ouvi, sorriu nervosa e levantou rápido.

- Vamos? - Confirmei com a cabeça ainda rindo enquanto caminhávamos para o ponto de ônibus. - Pelo menos eu não derrubei a garrafa, tá!

- Era legal, isso que você tava fazendo, girando a garrafa.

- É. - Ela concordou e continuou. - Me sinto a própria Piper Perabo em 'Show Bar'. - Como se eu soubesse quem era, e ficou rindo. - E você, a moça lá parou de olhar pra sua bunda?

- Não sei. Mas espero que meus atributos físicos pelo menos me rendam um bom lugar da pista VIP na lista que sai amanhã.

- Já eu prefiro não criar esperança nenhuma de estar no bar da pista VIP, porque né, os outros barmans são muito mais experientes do que eu e com história de parte física nem água pra mim, meus instrutores... Tinha um que não tirava os olhos do muque do cara que tava do meu lado. Derrubou umas duas garrafas, distraído com os braços do rapaz. - Nós dois rimos.

- Ah Beca, mas você tem o chefe! O cara tava praticamente te comendo com os olh... Ai. - Ela me beliscou. - Doeu!

- Pra você deixar de falar coisa besta e dar sinal pro ônibus que tá vindo aí. Anda. - Eu ri. Beca também. Nós subimos no ônibus.

Faltavam menos que duas quadras quando eu tirei os fones dos ouvidos e entrei num discreto estado de desespero.

- Eu não sei o que falar pra ela. Eu não sei o que ela quer ouvir. - Beca respirou fundo.

- Sal, eu sei que você não é tapado. Às vezes parece, mas eu sei que você não é. Ela tem medo. Medo de perder você por ainda ser... Ser...

- Virg... - Eu tentei ajudar, mas ela deu um tapa no meu braço e completou:

- Um unicórnio. Para, não ri que eu to falando sério. - Eu ri mesmo nervoso. - Alice é um tipo raro de mulher pra se encontrar por aí. O único problema dela é a insegurança revoltada que você conheceu hoje de manhã. Ela tem de frágil o tanto que tem de bonita. Então...

- Eu já entendi. - Falei, levantando pra pedir parada. Nós dois descemos do ônibus bem em frente ao portão da escadaria.

- Espero que tenha entendido mesmo, garotão. Agora vai lá ganhá-la outra vez! - Beca disse, me empurrando e dando um tapinha camarada nas minhas costas. - Boa sorte.

Eu virei de frente pra ela, baguncei seu cabelo, beijei-lhe a testa, sorri, então voltei pra subir as escadas e ter de volta a minha linda.