quarta-feira

Capítulo 13 - Galpão (Parte 2)

Quase meia noite e os ombros dele se puseram à minha frente, as garrafas das cachaças coloridas girando entre meus dedos, e entre os dedos dele havia uma mão com as unhas esmaltadas em tons pastéis, quase tão tom pastel quanto a minha cara quando os vi.

- Ei gata, um Sex On the Beach, um Dry Martini, uma dose de uísque, uma dose dupla de vodca, uma garrafinha de Ice e o seu telefone num guardanapo por favor? - Falou Breno, ganhando um beliscão de Verônica em meio aos risos. - Tudo bem, tudo bem, não precisa do telefone. Você mora no quarto ao lado mesmo.

- Que engraçado, você. - Eu disse, rindo. - Cadê Marcela?

- Ficou esperando o João pra vir. - Respondeu Verônica, jogando suas madeixas louras para o lado, enquanto eu preparava as doses batendo o pé involuntariamente com a batida da música.

- Ela tá esquisita. - Falei, ainda ignorando o gêmeo de Breno, com a periguete (que parecia ter, sei lá, nove anos) atracada no pescoço, dançando irritantemente compassados com o som.

- Também notei. - Ela disse, pegando sua taça poderosa de Dry Martini, entregando o uísque de Breno.

- Cadê Alice? - Breno perguntou, levantando a Ice dela. - Ah, tá alí.

Ela estava linda, sorrindo no meio da musica alta que odiava, só pra mostrar para o rapaz moreno e musculoso com a camisa preta igual a minha, perto das mesas, o quanto ela estava feliz por ele. Tanto quanto eu estava feliz por ele.

Mas nada disso importa, pois eis que os ombros pararam de siricutear ao redor para poder pegar a vódega e o drink cujo nome a periguete deve ter visto num filme qualquer.

- Muito bom esse lugar, ein Beca. - Bruno disse, sorrindo torto e convencido pra mim, pobre mim, que não conseguia sorrir, nem mesmo acenar pra disfarçar o ciúme filho da puta tomando conta de tudo por dentro de mim. - Obrigado pelo convite.

- De nada, Bruno. - Disse, tentando fazer com que minha voz não parecesse tão afetada, sem olhar muito bem nos olhos dele, entreguei as bebidas. - E essa mocinha, tão linda... Pegou pra criar foi?

Juro que soou menos recalcada na minha cabeça.

- Ju, essa é a Rebeca, Beca, essa é a Juliana. - A periguete mirim era mais alta e mais simpática que eu. - Ela acabou de se mudar.

Ele falou, mas eu fingia estar prestando atenção no pedido de um grupo que chegara no lugar de onde Breno e Verônica haviam acabado de sair.

- Eu pensei que você fosse melhor do que isso aí. - Bruno sussurrou, certificando-se que eu estava ouvindo. E a garota foi com ele, saindo de perto da minha bancada com um olhar de reprovação. E começaram a dançar alí por perto. Ele sem soltar da mão dela. Talvez ele quisesse que eu ficasse feliz por vê-lo esfregando aquela criança na minha cara sob a música alta que começava a doer nos meus ouvidos.

Então eu fiz os próximos sessenta drinks stalkeando os dois casais dalí mesmo. Vendo Sal revezar seu tempo em atender quase todas as mesas da área VIP e olhar apaixonado pra Alice que lhe mandava beijos invisíveis entre uns goles e outros; e formulando diálogos que eu nunca teria com Bruno, enfatizando vários pontos importantes nunca dantes discutidos. Algumas coisas como o quanto as calças dele pareciam mais apertadas que o necessário, ou da remota possibilidade dele ser incinerado enquanto dorme da próxima vez que resolvesse praticar pedofilia na minha frente, ou do fato de eu estar exalando ciúmes sobre as cachaças coloridas e mais um monte de outras coisas que obviamente eu não falaria pra ele nem sob efeito de drogas pesadas. Marcela não deu sequer as caras, tinha alguma coisa errada. E nessa já eram quase três e meia quando acabou o meu turno.

- Olá. - Era o chefe.

- Opa. - Falei tentando parecer simpática. - O que vamos tomar hoje?

- Você, provavelmente uma bebida bem forte pra comemorar. E eu te acompanho. - Eu o olhei confusa. Dois rapazes chegaram de lado e pediram algumas Ices.

- Licença, Renato, um minuto. - Me afastei pra poder entregar as garrafinhas pro rapaz mais baixinho que soltou uma cantada barata depois que eu me virei, assim como o meio mundo de caras desacompanhados (ou não) os quais eu tive de servir esta noite. Apenas virei pra eles e sorri. - Podem voltar quando quiser. - Retornando assim ao meu posto original. - Então... Comemorar? Por que?

Renato riu um riso moleque que muito me lembrou o meu próprio riso.

- Você é diferente. - Ele disse antes de beber mais alguns goles de sua própria dose de vódega com alguma coisa colorida dentro.

- Como assim?

- Seu turno acabou tem 10 minutos e você ainda está aí atrás desse balcão e não lá com seus amigos. - Explicou, apontando discretamente para a mesa onde Breno, Verônica e Alice riam de alguma coisa provavelmente muito engraçada e Bruno continuava completamente focado em se querer para a pirralha de olhos verdes, toda derretida, periguete. - Ponto pra você. - Eu ri. - A sua bancada foi a que teve mais saídas esta noite.

- Sério? - Renato fez que sim com a cabeça, e só então eu me dei conta das fichas (que equiveliam às bebidas) que não cabiam mais na latinha.

- Aham. Ponto pra mim, que realmente acertei quando te coloquei na área VIP, garota. Então, brindemos?

- Posso? - Perguntei, levantando minha garrafa de cachaças coloridas favorita, sem ter a minima idéia de que bebida havia dentro dela.

- Se você aguentar, Rebeca, pode até secar essa garrafa inteira depois do lucro que você deu pro Galpão esta noite. - Nós rimos, eu enchi o copinho até a boca. Brindei com o chefe e bebi a dose. Renato, muito simpático, despediu-se de mim e saiu. Eu já estava guardando a garrafa de volta no lugar para sair de lá, mas por um segundo hesitei.

Quando olhei de lado e Bruno finalmente tinha conseguido roubar um beijo da periguete juvenil. Um beijo filho da puta. E era tudo o que eu via no fundo daquele copo. Tava nem aí se era whiski, vódega, tequila ou cachaça. Virei outra dose e mais umas três que nem ela, pra tentar aguentar aquela sensação esquisita que tomou conta de mim. É, Bruno, você conseguiu. Eu estava me embriagando de você. Três dedos de você com gelo, amargo e sem mim.

quinta-feira

Capítulo 13 - Galpão

- Vocês pegaram os convites, né? - Perguntei por garantia antes de sair de casa, amarrando o cabelo num rabo de cavalo.

- Já tá tudo aqui, Beca. - Alice falou, balançando os envelopes pretos da porta do quarto.

- Não se preocupa que uma hora a gente vai aparecer por lá. - Disse Verônica, enquanto procurava sua toalha pela casa.

Marcela estava incomumente quieta, sentada numa das cadeiras altas do balcão e zapeando pelos canais da tv como se não houvesse amanhã. Eu cheguei pertinho dela.

- Ei. - Ela olhou pra mim. - O que foi?

- Não foi nada, Beca. - Marcela disse, abrindo um sorriso carinhoso, fastando meu cabelo pra trás da orelha. - Não se preocupa comigo não.

- Minta comigo, não pra mim. - Eu segurei a mão dela. - Nunca te vi desse jeito.

- Anda. Senão você vai acabar se atrasando. - Ela falou, pulando da cadeira e me empurrando até a porta. - A gente conversa outra hora, tá bom?

Fiz que sim com a cabeça, abri minha bolsa e tirei o convite que eu não tinha tido coragem pra entregar.

- O meu já tá alí com a Alic...

- Ele não tem falado comigo. - Eu interrompi. - Desde aquele dia... Eu não tiro a razão dele. Só achei que a raiva não duraria tanto tempo. Então eu pensei que se fosse você a entregar o convite... Ele poderia ir. Você faz isso por mim?

- Claro que eu faço, Beca. Mas eu não vou dar garantia nenhuma que ele vá até porque já tá em cima da hora.

- Não custa nada tentar. - Suspirei desanimada, segurando a maçaneta da porta. - Ainda bem que eu não quebro garrafas com a mesma facilidade que eu tenho pra quebrar o coração dele. - Marcela riu e me deu um beijo na bochecha. - E você, fica bem, tá? Quando eu chegar vou querer saber dessa historia aí. - E gritei - Tchau!

- Tchau! - Gritaram Alice de dentro do quarto e Verônica de dentro do banheiro.

- Boa sorte, Beca. Até mais tarde.

~

Alguém bateu à porta.

- Sou eu. Marcela.

- Anda, tá aberta. - Falei sem tirar os olhos da tv.

- Tenho convites, quer sair comigo? - Ela disse, entrando com um par de envelopes à mostra. Eu fiz uma careta quando reconheci a letra.

- Melhor eu não ir. - Fastei do lugar pra que ela sentasse ao meu lado.

- Vai ficar sem falar com ela pelo resto da vida, é isso?

- Não põe as coisas desse jeito. Você deveria entender o meu lado também.

- Isso é um pedido de desculpas. - Marcela disse, balançando o convite na minha cara. - Bruno, você conhece a Beca. Em certos sentidos até bem melhor que eu! Ela não faz essas coisas por mal.

- Ela faz tudo pelo bem, dela. Mas ainda pelo bem... Não me olha assim. Você sabe que eu não tô mentindo.

- Bom, daqui a pouco eu me arrumo e vou. - Ela levantou. - Seu convite ta aqui em cima. - Pôs o convite no balcão da cozinha e foi andando pra porta. - Tá mesmo nos seus planos, isso de punir a Beca pra sempre?

- Eu não sei do que você tá falando. - Marcela murmurou alguma coisa como "beleza" e saiu.

Levantei e andei até o convite. Eu olhei pra letra dela, o envelope roxo olhou pra mim. Falei um palavrão sozinho. Eu vou nessa bosta. Mas eu não vou sozinho.

Peguei meu celular, olhei a agenda. Olhei de novo. Pensei um tempo e disquei.

- Oi linda. Tá livre agora à noite?... Tenho um lugar pra nós dois.

segunda-feira

Capítulo 12 - A linda dele (Parte 3)

- Ei menina. - Eu ouvi a voz dele saindo do apartamento direto pros meus ouvidos. - Vai passar outra noite acordada?

O sorriso torto dos ombros bonitos veio andando e sentou do meu lado. Eu fiz que não com a cabeça, e sorri meu sorriso de mentira, enxugando os olhos. Ele segurou minha mão.

- Eu não consigo. - Falei.

- O quê?

- Fazer isso que você faz. Fingir que não aconteceu nada.

- Achei que era o que você queria. - Eu levantei a sobrancelha com o olhar perdido nas luzes da rua.

- E desde quando eu sei o que eu quero?

- É verdade. - Bruno soltou minha mão e ficou de pé. - Você só sabe das coisas que você não quer, não é?...

- Bruno... - Eu tentei, mas ele me interrompeu.

- Bruno nada. Aliás, Bruno nunca! Não dói não em você? Isso de brincar e jogar fora depois? Eu passei a vida toda apaixonado por você, eu pensei que aquela noite ia fazer alguma diferença, eu pensei que... - As ironias eram agulhas de tortura, cuspindo na minha cara uma palavra após a outra, rasgando tudo devagar. - Eu pensei que fingir que nada aconteceu ia deixar você ser minha. Eu pensei que eu podia ser alguém pra você. Que coisa, não?

Continuei com a cabeça baixa, incapaz de olhar nos olhos dele.

- E você fica aí sem falar nada.

- O que você quer que eu fale?

- Você poderia me tirar logo essa angústia do dever para o qual fui encarregado, de ser estepe de um amor que você nunca vai ter. - Ele disse num sorriso cínico de maior abandonado, sabendo perfeitamente que aquela última frase acabaria com qualquer pedaço de mim que restasse. E acabou.

- Eu me casaria com você. - Eu disse, com cada pedaço de mim doendo, e doendo tanto assim, eu não conseguia sentir mais nada, nem as lágrimas que saiam por si só dos meus olhos. - E teria gêmeos se eu tivesse coragem. Eu te ligaria tarde da noite pra dizer que te amo mais que qualquer pessoa na Terra se não fosse mentira. Nunca foi minha intenção te fazer mal, vai ver... Não, vai ver nada. É um fato. Você merece um alguém melhor do que eu, só isso. Você é o cara que toda mulher sonha encontrar e você não tem idéia de quantos órgãos eu venderia pra ser uma dessas mulheres. Mas eu não sou, Bruno.

- Não precisava vender órgão nenhum. A única coisa que eu queria era que você tivesse pelo menos tentado me dar seu coração e eu tentaria te fazer a mulher mais feliz do mundo.

- Desculpe por ter te feito perder tempo.

- Tempo é negócio que passa e a gente nem vê. - Ele respondeu andando em direção ao apartamento do lado. Segurou a maçaneta, girou, mas ficou lá parado por alguns instantes antes de dizer: - Uma pena mesmo, foi só eu ter me perdido em você. Porque eu sei que não vou me ter de volta tão cedo.

- Boa noite, Bruno.

- Não dessa vez.