segunda-feira

Capítulo 5 - Abrigo (Parte 3)

Jantei ao som nada doce aos meus ouvidos de Alice contando como havia sido entregar a foto e ficar conversando com Sal até ver que havia perdido a hora do ônibus e sobre como foi bom vir andando porque o céu estava mais lindo do que nunca esta noite. Eu estava pra quebrar a perna da mesa e tacar na cabeça dela pra ver se ela calava a boca, mas eu tinha feito minha escolha, eu sabia que fácil não ia ser, então não podia reclamar, somente ouvir e esperar a comida, enchendo minha boca, mantendo-a ocupada pra que eu nada tivesse que falar, ter a boa vontade de descer goela abaixo.

Breno apareceu à porta, sorrindo.

- Boa noite mulheres mais lindas do meu coração. Que cheiro maravilhoso o desse jantar... Não foi a Beca que fez não, né? - A gente riu, Verônica mandou ele deixar de besteira e entrar logo. Ele riu maroto, ao entrar deu um beijo no rosto de cada uma de nós, e sentou-se bem ao lado de Veronica que olhou-o de um modo não muito comum, interessante.

- Marcela quem fez, sobrou. Você já comeu? - Ela perguntou num tom mais doce do que seu normal, Marcela também percebeu e olhou pra mim com cara de quem ia começar a rir em 3.. 2..

- Não - Breno respondeu fazendo cara de cachorrinho abandonado - O Bruno que é o gêmeo cozinheiro, e ele tá todo estranho desde ontem, não fala nada, não comeu nada o dia todo e acha que eu quero mofar de fome que nem ele. - Eu gelei. Verônica e eu nos levantamos e começamos a rapar as panelas enchendo pratos limpos.

- Vai repetir, Beca?! - As meninas perguntaram estranhando, eu nunca fazia mais de um prato, fazia uma montanha de comida num prato só (amundiçada) mas nunca fazia outro prato.

- Não, não. - Respondi, quieta. - Vou lá deixar um pouco pro Bruno pra ver se ele come... Volto já. - E saí antes de ouvir as piadas prontas na ponta da lingua de Veronica, Breno, Marcela e Alice.

A porta do apartamento dos gêmeos estava entreaberta, mas mesmo assim resolvi bater. Três toques, sem campainha. A situação era tensa demais pra campainhas. Contei até cinco e abri o resto da porta, segurando o prato numa mão e meu coração na outra.

- Bruno?... - Tomei fôlego e chamei sem quase um pingo de voz.

Ele tava lá, deitado no sofá em frente a porta, de olhos fechados, vestindo seu calçãozinho vermelho, com os fones no ouvido e o bico de raiva que ele sempre fazia quando não estava bem. Botei o prato sobre a mesinha perto do sofá o mais discreta e não-estabanadamente que consegui, sem sucesso. Ele abriu os olhos, tirou o fone e sentou no sofá, olhando pra mim de um jeito tão.. inenarrável, que eu não conseguia olhar de volta.

- Eu... Trouxe seu jantar. Fiquei preocupada, Breno disse que você não comeu nada o dia inteiro... Então, - Eu levantei e comecei a ir em direção à porta sem olhar nos olhos dele de novo. - O prato tá aí em cima da mesa, eu já vou andan... - Eu ouvi os passos vindo na minha direção.

- Rebeca. - Ele me chamou. À menos de dois dedos de distância de mim, Bruno fechou a porta, me encostando na parede silenciosamente, eu continuei olhando pro chão. - Olha pra mim. - Eu não tinha saída, então olhei nos olhos dele, mais perto de mim até mesmo que os meus, minhas mãos geladas e o coração dele num disparo tão grande que eu tive medo dele enfartar por nós dois, porque o meu já tinha começado a bater tão rápido quanto a velocidade seis do créu. Durou quase uma eternidade até que ele pedisse - Por favor, não vá agora. - segurando minha mão.

- Eu não vou. Mas você vai comer o que eu trouxe. Breno falou que você... Não come nada desde ontem. - Ele torceu a boca, fez que sim com a cabeça, sorriu de lado e soltou minha mão, indo até o armário da cozinha, pegar garfo, faca e uma lata de refrigerante. Sentou no sofá, pôs o prato no colo e por alguns segundos encarou-o desconfiado. - Não se preocupe com a dor de barriga, não fui eu que fiz, foi a Marcela. - Ele riu e curiosamente começou a comer quase que imediatamente ao saber que não era eu quem tinha cozinhado.

- Vai ficar aí de pé me olhando comer? - Perguntou, com a boca cheia, eu ri e me sentei na poltrona ao lado dele e de frente pra tv. Bruno devorou toda a comida em menos de três minutos onde não se falou nada.

- Então... Eu acho que eu já... - Eu disse tentando levantar da cadeira, só que ele pôs a mão sobre a minha perna, pedindo que eu ficasse mesmo sem falar nada.

- Eu ainda não entendi uma coisa. - Ele começou a falar, apertando os olhos como toda vida fazia quando não estava lá muito certo se iria gostar do que iria falar ou ouvir.

- O porquê de eu ter deixado que aquele beijo de ontem acontecesse depois de te dar um fora no dia que a gente saiu? - Presumi que seria mais fácil se eu concluísse o raciocínio pra ele, e ele concordou.

- Isso. Você pode me responder?

- Posso, mas acharia melhor fazer isso se não tivesse gente tentando ouvir a conversa atrás da porta, sabe? - Falei e automaticamente ouvi a voz de Breno sussurrar um curto "porra", Bruno revirou os olhos, levantou, abriu a porta e lá estavam Verônica e Breno.

- A gente não tava tentando ouvir não, eu juro. - Ela disse, convincente.

- É que ficamos sem graça de abrir a porta e acabar atrapalhando a conversa e tal... - Breno completou, nervoso com a cara que Bruno fazia pro lado dele, mexendo compulsivamente no cabelo que ele insistia em deixar grande pra que parassem de confundir os dois. - Err...

- Anda, entrem logo! - Bruno disse olhando com uma cara de "Te pego na saida" para Breno, que entrou quase correndo no apartamento, seguido por Verônica. Bruno olhou pra mim indicando a saída com a cabeça enquanto pegava uma camisa sobre o móvel da tv. Eu levantei da poltrona e o andei com Bruno até a escadaria.

- Parece que a gente sempre acaba por aqui, né? - Eu disse sorrindo.

Ele se colocou à minha frente, cruzando os braços. Sua mandíbula estava tensa e dava pra ver seu coração acelerado sob a blusa cinza, o vento bagunçando tanto o cabelo dele quanto o meu. Eu tinha de falar.

- Eu preciso de você, Bruno. Preciso que fique perto de mim, mais do que nunca. Eu preciso que me proteja, sei que é o único que pode, porque você é a única pessoa com quem eu me sinto à vontade pra ser verdadeira sobre tudo, mas principalmente sobre mim desde todo esse tempo que nós nos conhecemos. - Eu tentava lembrar de respirar, mesmo sem sucesso - E depois de sexta, eu me dei conta que pra ter isso de você sem que tenha nada em troca, é muito egoísmo da minha parte... Eu sei que tenho sentimentos por você que não consigo entender nem definir, e tenho impressão que isso ainda não é suficiente para ser recíproco ao que você sente por mim, então eu pensei que poderíamos... Tentar, porque sem você eu tenho muito medo de quase tudo, e com você... Eu sinto que tenho um abrigo no meio de tudo isso. E mais uma vez eu peço que me perdoe por isso, por gerar toda essa situação. - Eu fechei os olhos e respirei o mais fundo que consegui, até sentir os braços dele ao meu redor e sua boca na minha outra vez.

sábado

Capítulo 5 - Abrigo (Parte 2)

Levantei com preguiça, faltavam dez minutos pra minha aula na escola comunitária, corri pro banho. Nunca tinha ninguém em casa a essa hora, então eu estava livre de explicações sobre minha cara de enterro ontem, mas não pude me safar por muito mais tempo.

Era terça, as tarefas da terça sempre eram minhas e de Marcela, já que só nós duas não tinhamos aulas (para assistir ou dar) nem na escola comunitária, nem na universidade depois das seis da tarde. Eu não vi Bruno, nem Sal, nem Alice o dia quase inteiro, e eu me senti mal por ficar feliz em relação à isso. Mas eu não tinha como me livrar por muito tempo.

- Beca. - Marcela começou como quem não queria nada. Do mesmo jeito que sempre fazia quando queria saber alguma coisa. Enquanto eu lavava o banheiro estranhamente calada e ela varria a sala.

- Oi. - Respondi normalmente, esfregando a pia com dois dedos exagerados de força a mais que o normal em função de uma crosta de pasta de dentes que alí se alojara.

- Você vai me dizer o que aconteceu ou eu vou ser obrigada a pôr a ponta de uma faca no meio dos seus peitos pra você me falar o que diabo ta acontecendo aqui? - Sabe lá Deus como, mas Marcela conseguia parecer delicada quando falava esse tipo de coisa. Era o jeito dela de ser doce, se preocupando com os outros, e sem nenhuma sutileza nisso.

- Nada, Marcela. Acho que você tá é vendo coisa. - Falei continuando a esfregar a maldita mancha de pasta de dentes na pia, entretida. Marcela apareceu de repente na porta do banheiro, eu olhei pra ela me olhando com o olhar mais inquiridor que eu já havia visto.

- Minta comigo, não pra mim. - Ela disse, eu sorri.

- Você viu a foto? Do flertoso, moreno, da Alice. - Marcela fez que sim com a cabeça com uma cara de "Que porra isso tem a ver com a conversa" - Você olhou bem quem é o cara da foto? - Uns dois minutos se passaram até ela ligar uma história à outra.

- É o seu cara, o da sala de música. Não é? - Ela falou.

- Ele é dela agora. Ele escolheu ela, ele deu em cima dela, e no fim das contas, ela falou primeiro.

- Isso não tem nada a ver Rebeca, você gosta dele, desde antes deles se conhecerem.

- Sim aí eu vou chegar pra Lice: "Oi Lice, sabe esse cara que você não desprega da foto, fica falando dele, de como ele é lindo e de como ele é perfeito enquanto dá em cima de você? Pois é, eu vi primeiro, eu gosto dele, rala biscate!" Não né, Marcela! E além do mais, ela nunca se deixa interessar por ninguém..

- Como se você sempre se deixasse, Beca. Eu nunca te vi olhar pra alguém como você olhou pra ele, sei lá, parecia que não tinha mais ninguém no mundo a não ser ele... - Eu respirei fundo.

- Eu já decidi. O Sal é dela agora, eu não vou fazer nada pra separar eles e nem que eu quisesse faria. E nem você, nem ninguém vai contar pra Alice, certo? Você vai mentir comigo e mentir muito bem mentido. Tá me ouvindo, Marcela?

- Pode deixar. - Ela disse sorrindo sem humor, fez como se fosse voltar pra sala mas voltou - Você é uma boa amiga sabia?

- Eu seria. Se tivesse tido coragem de ficar aqui ontem e frescar com todas as perguntas capciosas que eu tinha pra você sobre uma certa noite passada que a sua pessoa resolveu não dormir em casa, né dona Marcela?! - Eu ri, muito. E como eu presumi, Marcela me estirou a lingua, vermelha de vergonha. Nós duas voltamos à faxina morrendo de rir. - Quem é o bofe?

- É o rapaz mais... - Ela parou assim, olhando pro nada e rindo - Sei lá, doce e inteligente do mundo. Lindo, fofo, tudo. A gente se conheceu e saiu na sexta, no sábado... Mas o domingo... Acho que até dá pra criar esperança com esse, sabe. - Eu sorri olhando enquanto ela contava. - Ele faz publicidade, aulas no mesmo setor que a gente, super carinhoso, cabelinho cacheado, atencioso, tem bom gosto pra se vestir, gosta de musica clássica e, o principal, ele ligou no outro dia... Eu admito, estou apaixonada.

- Como é o nome dele? - Perguntei, enxugando o resto da pia do banheiro e o chão.

- João. - Marcela falou - Acho que eu vou chamar ele pra vir aqui na sexta, daí eu faço um jantarzinho esperto pra todos nós.

- É uma ótima idéia. - Eu disse - Prender o bofe pelo estômago, né safada?

A gente riu e terminou de arrumar o resto da casa mais rápido do que pensávamos, ao som daquele cd interminável do Daughtry.

quarta-feira

Capítulo 5 - Abrigo (Parte 1)

O beijo de Bruno era como eu lembrava, se moldava ao meu. Da primeira vez, naquele aniversário de Marcela, eu lembro de estar toda me tremendo, loucamente nervosa, coração palpitando em velocidade irracional, daí a gente se beijou, e eu senti uma calma inenarrável, como se eu pudesse ter certeza que eu não tava fazendo nada daquilo errado. O beijo de Bruno me dava o que estava faltando no meu. O gosto da proteção, da segurança que eu tanto precisava naquela hora ao alcance da minha boca. Eu simplesmente adorava isso, deixando durar, e durar, e durar sem a mínima noção do tempo que estava passando pela gente naquela escadaria.

Depois que o beijo acabou, demorou alguns giros no ponteiro dos segundos para que pelo menos um de nós dois voltássemos pra esta dimensão. O fato de minhas mãos começarem a tremer pareceu uma reação imediata à ausência da boca dele na minha, tudo veio na minha cabeça outra vez, o gosto amargo da realidade, de Sal ter olhado e ido atrás da Alice e não de mim, de não poder fazer nada pra mudar isso, de estar usando Bruno pra fugir desesperadamente disso tudo. Eu voltei a respirar, fundo que nem o poço onde eu queria me jogar.

Quando eu abri meus olhos, os dele continuavam fechados. Foi um passo-a-passo agoniante: Eu saí do colo dele, sentei por uns três segundos, mordi minha boca em reprovação a mim mesma, levantei e comecei a subir a escadaria em direção à república. Então congelei, ao ouvir:

- "Não me mostre o paraíso e depois o destrua" - Ele disse depois de respirar o mais fundo que pôde. - Eu li isso uma vez, e agora me parece a resposta certa daquela pergunta. É maldade beijar você sabendo que uma hora vai acabar essa sensação, sem ter sequer ideia de quando eu vou poder sentir isso outra vez.

Respirei com dificuldade, voltei três degraus e olhei nos olhos de Bruno com a consciencia tão pesada quanto um elefante de circo. Eu queria pedir desculpas pelo beijo, por não ter conseguido resistir à ideia de usá-lo pra esquecer minha insegurança. Eu queria abraçá-lo, queria me jogar num poço, prometer que não iria iludi-lo nunca mais e que tudo ia continuar normal, como se nada tivesse acontecido. Eu queria tudo isso, mas a unica coisa que saiu foi:

- Me desculpe. - Indo embora à caminho de algum lugar dentro daquele apartamento depois da escada onde o ar não estivesse tão rarefeito.

Era quase meia noite, não havia ninguém na sala. A louça estava lavada, tudo em silêncio. Passei direto pra minha abençoada cama onde por mais filha da mãe que eu fosse em qualquer lugar do mundo, sempre me sentiria acolhida alí. O quarto estava vazio e eu presumi que era Alice quem estava tomando banho - adormeci tão rápido quanto comecei a chorar depois de ter me deitado.

terça-feira

Capítulo 4 - Foto de Segunda (Parte 3)

Eu não disse nada. Apenas tentei sorrir animada enquanto Alice falava dele, gaguejando só por olhar pra foto com a qual ela provavelmente dormiria sem tirar das mãos. Ela falou primeiro, Sal era dela, eu tinha de me acostumar com essa ideia.

Olhando de longe, até mesmo eu me acharia ridícula por estar tão transtornada, eu não tinha sequer trocado duas palavras com ele, mas só em estar no mesmo espaço que ele, da possibilidade de respirar o mesmo ar que ele, minhas pernas já começavam a tremer. Eu sonhava em ouvir aquela voz no meu ouvido bem de pertinho, eu queria vê-lo sorrir pra mim, que ele me abraçasse assim como se agarrava tão carinhosamente àquele violão ao tocá-lo. Só que agora nenhum desses desejos eram mais possíveis, porque Sal era intocavel dela, porque eu não falei nada. Eu tinha de me contentar.

- Beca? Volta pra luz, amiga, o jantar está pronto! - Verônica me chamou, batendo na porta, rindo. Eu sorri, deixando de lado o livro que eu segurava na tentativa de tirar toda aquela situação da minha cabeça, sem sucesso algum. Andei até a cozinha, Alice ainda estava com aquele cacete daquela foto. Eu queria ficar lá e ouvir Marcela explicar seu desaparecimento noturno de ontem à noite, queria encher a paciência dela com perguntas indecentes, queria rir com elas, queria comer o aparentemente saboroso sanduíche que Verônica havia feito, porém eu não aguentava dividir espaço com aquela foto nem com toda a devoção com a qual Alice não parava de babar em cima dela, eu só disse:

- Não tô com fome... Vou dar uma volta. Beijo! - E saí de lá sentindo o olhar desconfiado de Marcela nas minhas costas.

Fiquei sentada ao pé da escada na entrada da república, pensando da morte da bezerra, sentindo uma agonia misturada com raiva, ciúme e uma sensação de falha que nunca me havia ocorrido. Era involuntário, quando percebi meus olhos já estavam enchendo d'água, mas tratei de enxugá-los rapidamente ao ouvir passos se aproximando.

- Tudo bem aí? - Eu levantei o olhar para Bruno, dei de ombros e sorri sem vontade, fazendo que sim com a cabeça. - Acho que você deve estar querendo ficar só então eu já v... - Ele falou começando a subir os degraus, eu interrompi.

- Eu posso falar com você? - Bruno olhou pra mim daquele jeito que só ele conseguia fazer, fez que sim com a cabeça e sentou perto de mim.

- Tava resolvendo umas coisas da escola comunitária, umas contas que o meu avô me mandou pagar, fiquei na fila até uma hora dessas, acredita? - Ele disse, apontando pro relógio, eram quase dez da noite.

- Já fiquei várias vezes até uma hora dessas também. Tudo culpa dos velhinhos que não pegam fila, sempre que era minha vez, vinham uns sete e eu sempre tinha que passar mais dez minutos na fila por cada um, haha. - Nós dois ficamos um tempo em silencio, até Bruno perguntar:

- O que você quer falar comigo?

- Queria te pedir desculpas, acho que fui meio grossa com você, naquele dia que a gente saiu... - Ele deu de ombros e sorriu de lado.

- Não se preocupe com isso.

- Eu me preocupo, porque eu me importo com você. Pode não ser do jeito que você queria, mas eu me importo, e me mata pensar que eu de alguma forma estou magoando você...

- Rebeca. - Ele me interrompeu.

- Oi. - Eu parei de falar e olhei pra ele.

- Você não tem de se desculpar por nada, mesmo querendo você, eu te quero feliz antes de qualquer coisa, e não é assim que você me parece agora. Não se preocupe comigo, você não precisa me falar o que aconteceu, só que eu faço o que você quiser pra você ficar bem, Beca. - Ele disse se chegando, sem intenções, eu pus minha cabeça no colo dele e me senti confortável e protegida o bastante pra desabar a chorar, enquanto ele passava os dedos indo pelo meu braço até a borboleta na minha nuca.

- Desculpa mesmo assim.. - Falei quando consegui parar de soluçar, sem tirar os olhos do chão. - E obrigada por estar aqui.

- Quando é que você vai botar nessa sua cabeça grande que eu sempre vou estar do seu lado quando você precisar, Beca? - Ele disse, fastando meu rosto pro lado, pra que eu pudesse olhar pra ele. - Quando você quiser.

Eu baguncei o cabelo dele agradecendo. Se o mundo fosse como deveria ser, seria de Bruno, não de Sal essa voz o tempo inteiro na minha mente. Nós dois sorrimos. *Mas quem sabe eu não posso escolher isso por mim mesma..?* Ressoou aquela vozinha no meu inconsciente, me dando, de repente uma idéia. *Vai que dá certo?* Eu não me permiti pensar duas vezes.

Bruno ainda sorria quando eu puxei delicadamente seu queixo, deixando a boca dele perto da minha, deixando que ele me beijasse. E ele, mesmo confuso, o fez.

sexta-feira

Capítulo 4 - Foto de Segunda (Parte 2)

Quando a gente não sabe o que quer, com qualquer coisa se contenta. Mas caso comece a saber, nem todas as outras coisas do mundo juntas vão te ser suficientes. Eu precisava ouvir mais da voz dele, precisava que ele segurasse minha mão outra vez, eu tinha que vê-lo e tê-lo perto de mim e comigo de novo. Sal, doce como um anjo num paradoxo apaixonante. Eduardo Sal... Tenho a impressão que nem se eu quisesse eu poderia esquecer do nome e além de qualquer coisa, do dono do nome.

Um turbilhão louco de duvidas me invadiu tão subitamente, atiçando cada pedaço meu de curiosidade. Será que ele tava falando sério? Será que eu posso me permitir ter esperança? Será que ele fala isso pra todas? Será que eu vou vê-lo outra vez?... Bom, pelo menos dessa última eu tinha quase certeza, porque eu precisava olhar pra ele de novo. Eu tinha que fazer isso, ou não creio que viria a poder deixar meu coração continuar batendo involuntariamente, visto que ele agora tinha um motivo para fazê-lo. Sal.

Ás vezes nos surgem oportunidades na vida, a gente nem chega a prestar atenção nelas, mas lá estão, vindo das mais sortidas imagens, cores e sabores - mas dessa vez me veio por uma fotografia. A qual eu me apaixonava ainda mais à cada segundo enquanto a revelava no quarto escuro que eu interditei no fim do corredor do nosso apartamento na Republica de Belas Artes. Alguém bateu na porta, e mesmo querendo ficar sozinha lá com a foto dele na minha mão falei pra quem quer que fosse entrar.

~

- Oi Lice. - Eu entrei - Tenho uma coisa pra te cont... Ai, como você aguenta ficar nesse lugar escuro?... Bom, formulei mal a pergunta, até porque eu adoro lugares escuros, principalmente quando acompanhada, mas como não é esse o caso... - só que ela não prestava a menor atenção, e continuou olhando pra foto.

- Beca. - Alice falou, eu calei a boca.

- Oi. - Respondi, começando a ficar curiosa pra saber o que tanto ela olhava naquela bendita foto.

- Eu tô... Apaixonada. Eu não sei o que fazer, nem como agir, eu ainda to sem ar. - Alice falou, sem tirar os olhos da foto recém revelada.

- Por quem? Deixa eu ver! - Arranquei sorrindo a foto das mãos dela e ao ver aquele rosto, senti o sorriso desaparecer.

- Conheci ele hoje. O nome dele é Sal, Eduardo Sal. A gente conversou, eu tirei a foto dele, ele flertou comigo de um jeito tão educado e lindo, que agora não consigo passar dois segundos sem lembrar do sorriso ou do toque da mão dele. - E eu não ouvi uma unica palavra depois de "a gente conversou (...) ele flertou comigo", era o cara da sala de música, o meu motivo pra levantar feliz em função da possibilidade de vê-lo outra vez ou ouvir sua voz. Alice falou primeiro, essa era a regra, ele era dela. Fim, ele era dela.

- Ele é lindo. - Foi só o que eu conseguir falar, com a foto na mão, tentando desesperadamente pôr um sorriso no meu rosto pra disfarçar, mas sem sucesso. - Muito lindo mesmo... - E as palavras se perderam enquanto eu não conseguia parar de olhar para o rosto dele nas minhas mãos.

quarta-feira

Capítulo 4 - Foto de Segunda (Parte 1)

O despertador tocou mecanicamente às seis em ponto como todas as manhãs desgraçadas de segunda-feira. Me arrumei, tomei café sozinha, porque eu era a única criatura depressiada por Deus a ter aula na segunda de manhã. Peguei a câmera e rastejei de preguiça até o ponto de ônibus.

Claro, depois de uma madrugada rindo das palhaçadas nas especulações de Rebeca em função do desaparecimento noturno de Marcela que até a hora que eu deixara o apartamento, não tinha voltado para casa deixando somente o bilhete "Não me esperem, rá".

A tarefa da aula de Fotografia sobre o conceito de beleza era super simples. "Saia por esta porta e fotografe o que você achar belo." disse o professor, então eu, assim como todo o povo daquela sala sonolenta da turma de cinema, me debandei porta afora com uma camera na mão. Só havia um problema, nenhuma das coisas que eu via me pareciam bonitas de verdade. Era segunda de manhã num prédio de Humanas, todo mundo com cara de mau humor, olheiras dignas de pandas asiáticos na cara e/ou sem maquiagem o suficiente. Mas eu continuei procurando por algum tanto de tempo. Até que encontrei.

Moreno, sentado no canto do terceiro degrau da escada, num jeans despojado e camisa de uma banda famosa dos anos noventa que deixava seus fortes braços à mostra, um violão nas costas, olhando para o nada com fones no ouvido. E de repente eu abstraí do que era o chão, eu devia estar no céu. Ele parecia um anjo caído alí por acaso, quieto, belo - não o cantor, o adjetivo, a perfeita definição pra ele. Então apontei a lente da câmera para ele, que por algum motivo o qual eu morri de tanta curiosidade pra saber, ele fechou os olhos, baixou a cabeça e sorriu. Foquei a lente e apertei o botão como um gatilho, disparado em sua direção. Daí ele olhou pra mim e sem saber o que pensar, fazer ou falar, eu sorri burra e involuntariamente dei meia volta e saí andando nem Deus sabe pra onde.

Quando dei por mim, estava sentada numa das mesas da cantina, ele chegou até mim, apontou pra cadeira ao meu lado, tirou um dos fones da orelha e perguntou:

- Alguém vai sentar aqui? - Rindo de lado, numa voz cálida, grave e definitivamente arrepiante. Fiz que não com a cabeça, ele puxou a cadeira e sentou-se de frente pra mim. - Posso ver minha foto?

- Que foto?! - Perguntei, desconfiada, sem conseguir parar de olhar pra ele, que riu.

- A foto de mim que você acabou de tirar, deixa eu ver? - Ele pediu, arqueando a sobrancelha elegantemente inquiridor.

- A câmera é de filme, tem que esperar revelar pra poder ver a foto. - Ele apertou o olhar e sorriu outra vez. - Por que o sorriso?

- Porque se eu tiver que ver a foto, vou ter a chance de te encontrar por acaso outra vez, minha linda. - Minhas mãos formigaram e eu baixei a vista sem conseguir sustentar meu olhar no dele. Eu tinha a sensação de que meu coração ia qubrar minhas costelas de tanto que ele se debatia insanamente lá dentro. - À propósito, meu nome é Sal.

Ele falou estendendo a mão na minha direção, e sem outra saída eu a apertei. Arrepiando toda a minha espinha dorsal, dando uma pausa de quase três segundos em todas as sinapses do meu cérebro que não envolviam linhas de pensamento em relação à ele, a maciez de seu toque, o charme de seu sorriso...

- Sal... - Falei depois de uma longa pausa retardada olhando pra ele sem dizer nada. - Que nome...

- Estranho, eu sei. Na verdade é sobrenome, Eduardo Sal. E o seu? - Ele perguntou ainda sem soltar minha mão.

- Alice. Alice Ribeiro. - Eu disse, tentando fazer com que minha voz não parecesse lá muito afetada. Ele levou as costas da minha mão até sua boca e beijou-a, arrepiando o resto do meu braço.

- Uma imensa alegria em conhecê-la, minha linda. - Alguém o chamara em algum lugar perto dalí. - Tenho que ir, mas não esqueça, nem da foto, nem de mim. Porque eu sei que vou passar boa parte o resto dos meus dias lembrando que eu quero as duas. A foto e você.

E simplesmente levantou da cadeira e saiu andando para uma das salas no corredor, levando alguma coisa minha com ele - provavelmente minha lucidez.