segunda-feira

15 - A Praia (Parte 2 e 3)


- Chegamos mais rápido do que eu me lembrava. - Falei assim que Renato estacionou o carro se espreguiçando, ao lado do de Bruno, na frente do casarão de praia. - Mais rápido do que precisava, na verdade. 

- Se você não queria vir, devia ter inventado uma desculpa. Agora a gente já tá mesmo aqui, seu boy magia já deve estar lá pra dentro e eu quero me entupir de vinho até domingo! - Ele disse, saindo do carro pra pegar as cervejas, as garrafas de vinho, vódega e afins que vieram na mala. 

Respirei profundamente, abri a porta e fui ajudar a botar as bebidas pra dentro por motivos de eu não ia conseguir fazer a sóbria nestas condições. 

- Onde eu boto isso, Alice? - Perguntei, entrando na casa segurando alguns litros de bebidas sortidas. 

- O freezer tá limpinho, aliás, minha tia linda demais já deixou a casa toda arrumada pra gente.

- Beleza. - Andei pra cozinha, Bruno falava irritado com alguém no telefone. Deixei as garrafas em cima da mesa e corri. - Cadê os meninos? Tem que pegar os refrigrantes e as grades de cerveja lá com o Rê. 

Bruno murmurou um "Rê" tão debochado que deu pra ouvir de onde eu tava. Por um segundo me perguntei qual era o propósito dessas pequenas manifestaçõezinhas repentinas e enchi o peito de abuso, daí o segundo passou. Breno, Sal e João desceram as escadas correndinhos. 

- Opa, cervejas, cadê? - Breno perguntou. 

- Lá fora, ele tá trazendo as tequilas que ficaram ainda. - Os três bateram continência ao mesmo tempo e passaram pela porta. Eu e Alice rimos. - Cadê as meninas? 

- Levaram as coisas pra ir arrumando lá em cima, teve uma confusão com a divisão dos quartos. - Alice falou. - Tem problema você dividir o quarto? 

- Nenhum, mas o que foi? 

- Na última reforma, minha tia transformou o outro quarto do fim do corredor praticamente num salãozinho de jogos que acabou virando depósito também, sei lá. 

- Hum, entendi. Acho que pelo Renato também não tem problema não, só não quero ouvi piadinha do Sal depois. - Eu ri. 

- Pode deixar que eu falo com ele. - Alice sorriu, na mesma hora Renato passou do lado, carregando uma das grades com João, ouviu a conversa concordou logo com um "Tô dentro!" e seguiu seu caminho rumo ao freezer. 

- Ótimo. Vocês ficaram no primeiro do corredor, Marcela e João naquele que é mais pro meio, Veronica e Breno no da frente. Sal e eu pegamos o último do corredor e Bruno... 

- Na frente do meu. Porra Alice! - Completei, respirando fundo. 

- Eu não tive culpa, Beca. Quando a gente chegou a manada debandou na minha frente! 

Resmunguei baixinho e perguntei como quem não queria nada: 

- E a garota da vez, cadê? - Alice engoliu o riso e quando eu olhei pra trás, ele mesmo respondeu, puto:

- Ela não vem mais, a outra cama do meu quarto tá vaga agora, querendo aparecer por lá... 

- Que peninha, Bruno. - Eu disse com a mão no meu coraçãozinho. - Vai ter que ficar sozinho o feriado inteiro... 

- O que aconteceu? - Alice me interrompeu, só que eu continuei enquanto subia a escada: 

- Tirando pelas pimpolhas com que o Bruno anda saindo, os pais dela devem ter botado de castigo porque tirou nota baixa no colégio! - Fechei a porta do quarto e tive uma vontade gigante de sumir do mundo, mas antes eu ia sentar a mãozada na cara dele. 

A maçaneta da porta virou depois de uns vinte minutos, eu ainda implorava mentalmente pra voltar pra casa, com a cara enfiada no travesseiro.

- Não não não. - Renato entrou, reclamão. - Eu não vim pra cá pra te ver depressiva não. 

- Como você queria que eu tivesse? - Ele deu de ombros e sentou do meu lado. - Eu evitei qualquer conversa maior que "oi" ou "tchau" nos últimos meses, isso já aconteceu uma vez, Renato. Eu não quero isso de novo. 

- Não quer que ele te deixe de novo ou não quer mais nada com ele? - Eu fiquei calada, não consegui responder. - Só pra constar, eu posso saber o que ele fez pra você se importar tanto assim?

Eu enxuguei meus olhos antes que eu chorasse a história toda de novo e respondi:

- Alguma coisa entre uma pixação de giz e um Toddynho com torrada. - Eu suspirei. - Ele mudou, pra pior. E a culpa é minha. 

- Talvez você devesse falar com ele. 

- É. Talvez eu faça isso... - Eu baguncei o cabelo de Renato, levantando da cama. - Agora anda, eu não te trouxe pra cá pra gente passar o feriado inteiro trancados nesse quarto com tanta bebida lá fora. 

- Não seja por isso, Beca. Nós trazemos a bebida pra cá e eu tenho muitas idéias do que poderíamos fazer trancados aqui dentro. - Ele disse, bagunçando meu cabelo de volta. Eu ri. 

- Anda, deixa de besteira,. - E descemos a escada. 

~

Os meninos lutavam bravamente para defender seus times num campeonato de video-game completamente entretidos e nós nos contentávamos com o baralho na mesa da cozinha, regadas de drinks que Beca fazia com frutas e umas cachaças coloridas. 

- Beca, minha filha... - Chamou Verônica - Todo o dom que Deus não te deu pra cozinhar, com certeza ele desviou presses drinks divinos aqui!

- Pena que hoje eu passo suas maravilhas alcoólicas. - Marcela falou. 

- Como se você tivesse a opção de tomá-las, né Marcela? - Respondeu Beca, me servindo mais um de morango. - Aqueles remédios já te embebedam o suficiente. 

- Olha, bati! - Marcela falou, dando pulinhos na cadeira, mostrando suas cartas. 

- Não bateu não. Tem dois Ás de ouro e um de copas. Você só bate quando tem os três iguais. 

- Mas Beca, o coraçãozinho é tão lindo, de que vale ter tantos ouros e não tê-lo. Ah! Cansei dessa porcaria, desisto. - Nós rimos e largamos as cartas também. 

- Menina Alice que tá só nas viradas de copo. - Verônica observou, eu ri nervosa e virei o drink, todo de uma vez. - Vai devagar, criatura! 

- Alice, você tá pretendendo entrar em coma alcoólico no primeiro dia da viagem, é isso?

- Não, gente. É... É que... Eu to nervosa. É isso. 

- Nervosa com o quê, Lice? A casa tá tranquila, todo mundo bem acomodado, tem álcool e comida pra nego se fartar... - Marcela falou - Qual o motivo pra ficar tão nervosa? 

- É besteira. - Eu disse. - Deixa pra lá. É idiota. Vocês vão rir. - As três sorriram e eu com certeza fiquei mais vermelha que o negócio de morango no meu copo. 

- Que besteira é essa agora? Você sabe que a gente não vai rir de você, bobona. - Rebeca me confortou, afagando o meu braço. 

- Tá. Eu conto se você me der outro disso, Beca. - Eu respirei fundo, quando eu respirei fundo tinha mais coisa de morango na minha frente. Eu virei e falei ainda com os olhos fechados - É que eu to nervosa porque é a primeira vez que eu e o Sal vamos dormir juntos. É isso. Podem rir agora. 

- Own, Alice! - As três quase cantaram, vindo e me agarrar. 

- Do jeito que você tá nervosa, eu pensei que você tinha assaltado um banco sem avisar pra gente! - Verônica disse. - Fica tranquila, mulher. 

- Eu já imaginava que fosse isso. - Beca disse. - De quê você tá com tanto medo assim? Garanto que, te atacar de surpresa no meio da noite, ele não vai! 

- Não é isso. É que... E se ele não gostar? 

- Alice, esse menino lambe o chão que você pisa, ele acha lindo se você dá um espirro, é quase impossível que ele não goste do que quer que você faça dentro daquele quarto! - Marcela respondeu, roubando duas uvas do drink de Verônica.

- É que eu sei quantas primeiras vezes esse filho da mãe já teve e quantas eu não tive. Isso me dá um nervoso, uma agonia. E se eu não tô pronta ainda? - Então Beca falou quase que automaticamente:

- Ele vai entender! Do mesmo jeito que entendeu da outra vez, quando vocês começaram isso de "esperar". Se você não quiser dessa vez, ele vai ter que ter paciência, afinal ele concordou.

- Mas... Eu quero. - Minha cara certamente atingia 50 tons de vermelho escarlate, daqueles, bem embalagem de chocolate Batom. Era difícil admitir, não sei porquê. 

- Como assim "da outra vez"?! - Marcela levantou a sobrancelha, indignada. - Teve alguma "quase-vez" disso aí que eu não fiquei sabendo? É isso?! 

- Na verdade, foi mais para um mal-entendido que uma "quase-vez". - Respondi, Beca contou a história: 

- Eu deixei um pacotinho de camisinha dentro da bolsa que a Alice tinha me emprestado no dia do apagão, acabei saindo sem a bolsa mesmo, daí o Sal viu e pensou tudo errado. 

- Eu fiquei tão envergonhada, tão nervosa que resolvi propor a história de esperar, mesmo que eu não quisesse esperar tanto assim. - Verônica não se aguentou: 

- Até porque, licença Alice, mas com um bofe lindo desses, eu poderia chamar você de guerreira por ter se aguentado esse tempo todo. - Nós rimos por um bom tempo. - Mas você preparou alguma coisa?

- Tipo? - Perguntei ficando ainda mais nervosa. 

- Tipo lingerie, óleos de massagem, música, sei lá! - Marcela sugeriu, eu entrei em pânico. 

- Eu... Eu... Só pensei na lingerie... Ai como eu sou burra...

- Calma Alice. - Beca falou sorrindo e bagunçando o meu cabelo. 

- COMO "calma"?! 

- Tendo calma, pô. Esse estresse todo só vai piorar a situação pra você. Você só tem que estar linda lá, e deixar as vontades, e deixar ele ir te guiando também. - Verônica disse, me dando um copo d'água.

- Vocês têm noção do que é ter que concorrer, que competir, com todas aquelas modelinhos, e groupies, e periguetes, e SIM, TUDO NO PLURAL... 

- Relaxa. Uma hora na vida ia chegar um momento que saísse do seu controle, Lice. Fica calminha que vai dar tudo certo. - Falou Marcela, e Beca: 

- E, caso não queira nada por hoje, é só subir e dormir antes desse campeonato irritante acabar. Ou simplesmente dizer pra ele. O Sal vai entender. 

- O que tem eu? - Ele entrou na cozinha, sorrindo besta. Me deu um beijo na bochecha e foi em direção à geladeira. 

- Nada não, moço. - Eu disse, mais devagar do que planejei, já com a voz embargada, meio afetada pelos drinks de Beca. 

- Beca, você por acaso está embriagando essa menina? - Renato perguntou, apontando pra mim e se chegando perto de Beca. Apertou a bochecha dela e também se encaminhou à geladeira pra pegar algumas cervejas. 

- Eu não to embebedando ninguém não. Sou um fantoche aqui, cara. - Beca falou, dando de ombros e rindo. Renato sussurrou alguma coisa no ouvido dela, não deu pra ouvir o que era, só sei que ele tomou um tapa no ombro junto com um resmungo e seguiu de volta pra sala. 

Sal só ria, escorado na geladeira enchendo o copo de água gelada.

- E você aí, tá rindo de quê? - Perguntei envergonhada. Ele andou devagarzinho até onde eu tava e sussurrou no meu ouvido: 

- É segredo. Só conto se você vier comigo agora. - Eita. Levantei da cadeira, nem olhei pra cara das meninas que era pra não perigar uma crise de riso ou de choro. 

Subi as escadas com a mão dele pegada na minha. Sal parou na porta do quarto, me beijou a bochecha outra vez, e tirou um lenço do bolso. 

- O que é isso? - Perguntei. Ele cheirou o perfume no meu pescoço e sussurrou outra vez na minha orelha, enquanto vendava meus olhos com o lenço. 

- Não se preocupa. Eu juro que nós não vamos fazer nada que você não queira. - Concordei com um aceno de cabeça.

Ouvi a porta abrindo, ele me puxou devagarzinho pelo braço - andei uns três, quatro passos e ouvi a chave girar, trancando a porta. Ele falou um "Calmaí" e em alguns segundos começou a tocar uma música muito boa. Quando ele tirou a venda dos meus olhos, meu queixo quase bateu no chão.

Tinham velas espalhadas por todos os lados e uma rosa, vermelha, sozinha em cima da cama. 

- Eu não acredito que você fez isso. 

- O quê? - Ele perguntou, com a voz aflita - Você não gostou? N-não tem pro-p-problema, eu só quis f-fazer uma coisa bonit... Esquece, esquece. - Ele começou a catar umas velas do chão, agoniado. 

Eu o abracei. O coração de Sal batia acelerado, nervoso, dava pra sentir. 

- Se acalma, moço. Tá tudo... Lindo! 

- Eu amo você. - Ele disse. Eu o beijei. Ele me puxou do chão, me pôs no colo e me deitou na cama. 

~

Eu já estava quase dormindo quando a porta do quarto abriu. Renato cantarolava uma música qualquer do Elton John segurando sua taça de vinho.

- Você fica linda me julgando. - Eu joguei meu travesseiro nele. 

- Eu não estou te julgando. Só não gosto da música. 

- Como você não gosta dessa música, ela é maravilhosa!

- Não me sinto muito bem com músicas românticas. 

- Mas é o Elton! - Ele se jogou em cima de mim, ainda argumentando - And this is your song, e este vinho está incrível, e tem uma cama rangendo no quarto no fim do corredor, e esse barulho magnífico me lembra dos tempos de faculdade quando eu tinha meus surtos heterossexuais.

- Humm, fale-me mais sobre esses surtos fabulosos. - Falei, tomando a taça de vinho da mão dele e bebi um gole generoso. 

- Eu costumava ficar com garotas como você, Beca. - Ele se ajeitou, pondo a cabeça no meu colo. Era meio que uma confissão perdida se misturando com o vinho e a umidade do ar. - Isso me deixava confuso.

- "Como eu"? Como assim "como eu"? 

- Amigas, cheias de personalidade, que me deixavam apaixonado por me deixar conhecê-las. Assim meio bocó, meio genia.

- Mas você ficava com elas pra fingir..?

- Não, não. O que me deixava confuso é que eu me sentia atraído por elas tanto quanto me sentia pelos caras. Mas há muito tempo eu não encontrava alguém como você. 

- Então talvez eu ainda possa apostar minhas fichas no chefe?

- E talvez eu te dê um aumento. - Eu ri, debochada. - E você está tão linda nesta camisa de time, então eu sinto que preciso cantar Elton John para me lembrar do que eu gosto quando você não está por perto. 

Nós rimos mais um pouco e ouvimos o barulho do mar la fora até o sono se jogar em cima da gente. 

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