segunda-feira

Capítulo 8 - Belo Desastre (Parte 6)

- Bom dia. - Ela não respondeu. Marcela me levantou a sobrancelha e Alice olhou pra mim como se quisessem me quebrar um fêmur.

Ela só levantou deixando seu café da manhã intocado sobre a mesa, pegou suas coisas e saiu sem uma palavra. O suficiente pra destruir cada pedaço de mim.

- Eu perdi alguma coisa? - Verônica perguntou enquanto enchia um pão com requeijão, olhando para mim como se eu tivesse causado o holocausto, assim como as outras duas.

- É melhor eu ir. - Falei, sem muito entusiasmo. Depois corri porta afora atrás dela.

Linda, andando irritada. Uma camiseta de alguma banda avulsa que provavelmente só ela conhecia, cabelo solto cujo cheiro era trazido pelo vento na minha direção. Era cedo demais para haver alguém na rua, eu comecei a me perguntar se ela teria dormido, se ela teria perdido o sono, por minha causa - Mas não consegui decidir quem vencia às porcentagens de bom ou ruim nisso. Ela parou de repente. Então eu também parei.

- Beca... - Ela olhou pra mim.

- Eu pensei em muitas coisas pra te dizer... Mas eu vou me poupar. Seria uma feliz escolha se você fizesse o mesmo.

- Você não precisa agir assim, Beca...

- Agir como?! Ser indiferente?! Nossa, onde será que eu aprendi?!... Bruno, olha: Eu desisto de você. Não se preocupe, quanto mais o tempo passa e cada vez mais gente faz o mesmo, você também começa a lidar bem com isso. Acredite, eu sei. - Levantou a sobrancelha, sorriu de lado, deu a volta, continuou o caminho e eu fiquei lá, deixando ela ir.

~

Era cedo demais, mas era a coisa certa. Eu o deixei no meio da rua, ele me deixou ir embora carregando o mundo nas costas. A partir disso, tudo parecia estar mais vazio que o normal - O lugar, as aulas, as conversas, as pessoas... Acho que consegui bater todos os meus recordes de ignorar o maior número de pessoas num determinado espaço de tempo.

Curtindo a minha fossa de pessoa mal-amada que eu realmente era, com fones de ouvido que tocavam uma ruedeira qualquer, sentada numa mesa reclusa do restaurante que ficava em frente à universidade, na hora do almoço. Só vi aquele monte de gente puxar as cadeiras e sentar na mesma mesinha que eu.

- Olá. - João falou sorrindo, arrumando os óculos, já sentado do meu lado. Alice do outro lado, chegou jogando moleton, mochila e caderno em cima da mesa. Sal deixou o violão encostado na parede e sentou do lado de Alice. Verônica folheava muito entretida uma apostila avulsa que a professora havia lhe dado e Marcela puxou a cadeira do lado de João.

- Oi. - Disse, dando o máximo de mim para não soar ignorante. Eles falavam muito, rápido e alto, e eu não estava com a menor vontade de tentar acompanhar.
Quando já estava ficando na hora de ir embora, eu perguntei: - Alice, que horas saímos amanhã?

- O ônibus sai às nove e vinte. - Ela respondeu, antes de roubar mais uma garfada no imenso prato self-service de Sal.

- Ônibus? - Sal olhou pra ela, e perguntou pra mim - Que ônibus?

- Vamos passar o fim de semana na casa da mãe da Beca. Eu te disse ontem. - Alice respondeu, e limpou o sujinho no canto da boca dele com um guardanapo.

- Ah, foi mesmo. - Breno e Bruno apareceram na porta, eu aproveitei para levantar da cadeira e sair do lugar como desejava tão desesperadamente.

- Oi. - Bruno falou ao chegar na mesa, mas eu o ignorei, saí sem falar com ninguém e fui andando pra casa.


Arrumei minha mochila, meu guarda-roupas e a casa inteira aquela noite. Na verdade eu procurei qualquer coisa pra arrumar mesmo sabendo que não era nenhuma delas que ia me permitir arrumar minha vida desastrada. E esse, bem, era um belo de um desastre.

Todos saíram e eu resolvi ficar em casa, colocar todo o apartamento e todos os meus pensamentos em ordem, sozinha, como devia ser. Camisetas separadas por cor, saltos por altura e desilusões por ordem de chegada - ou talvez, fosse melhor dizer, partida. Louça e roupas lavadas em seus devidos lugares. Livros, cds e filmes em ordem alfabeticas na estante. Medos, segredos e angústias em potes destampados, nunca me dei muito bem quando a intenção era encontrar tampas, e isso também é válido para chinelos velhos ou metades de laranjas.

Talvez não deva ser como todo mundo diz, talvez haja gente que não está destinado a ter um amor, aquele amor de almas gêmeas, com cara de poesia famosa, recíproco e inacabável. Talvez eu até possa encontrar mais um milhão de caras por aí, mas eles sempre sejam só mais um milhão de caras por aí.

Adormeci sem querer que o dia amanhecesse, mesmo precisando que o fim daquela noite desesperadora chegasse o mais rapidamente possível.

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