terça-feira

Capítulo 11 - Tricô Das Mina (Parte 2)

Uma tarde inteira de aulas devidamente ignoradas pela minha mente distraída, segui o habitual caminho em grupo de volta à república.

- O que vamos jantar mesmo, Marcela? - Verônica perguntou. A morena dos olhos verdes com um enorme sorriso maroto pro meu lado.

- Provavelmente um monte de novidades. - Ela respondeu e eu estirei o dedo pra ela, sorrindo de volta.

- Beca, quando que é a inauguração daquela boate que você e o Sal vão trabalhar? - Meu estômago revirou duas vezes antes de responder:

- Acho que é na quinta, Breno. Falar nisso, o chefão lá disse que quer todos os funcionários por lá amanhã pro treinamento a tarde inteira. Verônica sua linda, você poderia dar minha aula de desenho no centro comunitário, só dessa vez?

- Fazer o quê, não é mesmo? - Ela concordou me dando um abraço enquanto continuávamos andando. Então eu notei que Bruno andava de cabeça baixa com os fones atolados nas orelhas, um pouco mais afastado do grupo e alguma bebida gelada foi mentalmente jorrada ao longo da minha espinha. Ele devia estar querendo espaço. E eu também. Logo, continuei andando junto com as meninas mas sem perder ele cabisbaixo do canto dos olhos.

- Ele não parece a mesma pessoa que me abriu a porta hoje de manhã. - Alice falou baixinho, perto de mim, olhando na direção de Bruno quando a gente já tava entrando em casa. - Nem ele, nem você.

- Eu só fiz o que eu achei que era certo, não quero fazer mal pra ele.

- Talvez as duas coisas não sejam uma coisa só. - Ela falou num daqueles meio-sorrisos de lado que só dava junto dos conselhos sabidos que vinham do fundo do coração e bagunçou meu cabelo enquanto eu joguei minha mochilinha e a mim mesma no banheiro pra tomar um belo de um banho.

Então, cheirosa e toda trabalhada naquele velho camisolo que me favorece pra ver se eu acordava do baixo-astral que me acometeu só de ver a tristeza dele.

- Bora Beca, anda! - Resmungou Marcela, manifestada de tanta curiosidade, mexendo algo cheiroso na panela. - Por que o Bruno tá com essa cara de choro desde a hora que te viu, até a gente chegar aqui?

- Eu meio que.. Dei um pé nele.

- Mas depois de dar outras coisas também, né bonitona? - Verônica falou se jogando em cima de mim no sofá.

Alice pegava os pratos na estante, quieta pensando em alguma coisa lá longe enquanto as outras duas faziam piada com a minha cara. Marcela parou de mexer na panela e tirou da geladeira um prato cheio de brigadeiro congelado e veio com aquelas já habituais quatro colheres coloridas pra sentar com a gente. Verde pra Alice, amarela pra Verônica, azul pra Marcela e vermelha - que rufem os tambores - para mim.

- Foi ruim assim pra você dar um pé nele logo de manhã? Porque ele tava todo realizado com cara de bobo quando abriu a porta pra mim.

- Pior que não, Alice. Foi romântico sem ser aquela coisa melosa, foi lindo e tinha a música no celular dele, foi... Praticamente todas aquelas coisas que a gente imagina, sabe? Pelo menos que eu imaginei. - Peguei um monte de brigadeiro na colher e taquei todo na boca. - Mas.. Sei lá.

- "Mas..."? - Todas três.

- É o Bruno, gente! - Eu falei, brandando a colher no ar.

- Sim. - Marcela disse. - Ele é lindo, inteligente, sabe dançar, engraçado, carinhoso, divertido e é um caso RARO MESMO, já que foi você que deu um fora nele no outro dia e não o contrário!

- Tenho certeza que ele não fez lá nada de muito errado, porque ambos os gêmeos têm la sua dose de charme e pegada. E nisso eu acredito que a natureza não iria pecar no quesito de igualdade depois da merda que fez com a personalidade do Breno. - Acrescentou Verônica.

- É, mas... - E Alice continou:

- Ele é louco por você, desde sempre, desde que vocês tinham...

- É esse o problema. - Eu disse, me dando por vencida. - Eu não tenho essa capacidade pra suprir as expectativas de uma pessoa com um sentimento desse tamanho. Acho que eu nunca vou conseguir ser, então eu resolvi cortar logo, antes que eu me envolva e... Acabe magoada quando ele vir que não era nada do que ele esperava... E me deixe.

- Ô Beca. - Marcela me abraçou. - Deixa de ser besta, menina. Você sabe que não é desse jeito. Você não precisa ficar se protegendo.

- Marcela, eu não sou assim. Você sabe que eu não sou assim. Porra, eu fiz planos! Ele alí deitado comigo, e eu imaginando a gente velhinho junto. É ridículo, não sou eu.

- Não é você, Beca. Somos todas nós. - Verônica falou.

- Não tem pra onde correr. - Marcela disse, ainda me garrando num cafuné - É uma condição existencial feminina.

- O medo? - Eu perguntei.

- Não. - Verônica respondeu - A esperança de ter um café na cama te esperando de manhã.

- Então um brinde ao primeiro (de muitos) peguetes evoluídos. - Sugeriu Alice, desconfortável de ficar por fora da conversa, levantando sua colherada cheia. Nós brindamos as colheres ao meu primeiro peguete nível dois, ao apagão da noite anterior à nova tintura no cabelo loiríssimo de Verônica, ao maravilhoso brigadeiro e rimos da besteira enquanto eu ainda tentava engolir o choro. E nisso, eu era realmente boa.

Comemos a janta de nome bonito que Marcela havia feito até raparmos o prato, assistimos a novela, Alice e Verônica foram lavar a louça e eu resolvi ir dormir. Lê-se dormir como chorar sozinha no quarto enquanto ninguém estava olhando. E é óbvio que eu ainda não havia parado quando Alice chegou, e pulou direto na minha cama, deixando eu encostar a cabeça no colo dela.

- Desculpe não poder te dizer nada naquela hora. Minha falta de conhecimentos experimentais não eram suficientes. Resolvi acabar com a conversa quando vi sua cara de "tô disfarçando choro" que eu conheço desde que te conheci. - Ela me abraçou e eu morri de chorar de novo por mais uns vinte minutos até conseguir voltar a falar.

- Ô Lice, deixa de besteira, nada de desculpa não. Me bastava só um abraço desse. - Eu levantei, enxuguei os olhos e me sentei de frente pra ela. - Agora vem cá, essa cara depressiva aí. O que foi que aconteceu? Alguma coisa com o Sal?

Ela balançou a cabeça dizendo que sim, e antes dela se jogar no meu colo como eu fiz com o dela eu só vi os olhinhos cor de mel dela cheios d'água.

- Ontem a gente tava aqui. Tava tudo bem, tudo ótimo. - Soluços - Como não tinha luz, por osmose não tinha filme pra ver - soluços - então a gente começou a conversar, conversar, conversar, daí acabou o assunto.

- Então vocês começaram a se pegar, se pegar, se pegar... - No meio dos soluços ela abriu um espaço pra me dar um murrinho no braço. - Desculpa, não resisti. Vai, continua.

- Pior que foi isso mesmo. Mas aí... Ele perguntou se eu queria continuar. Foi tipo aquela coisa tensa, sabe?

- Tipo, "o que diabo eu faço agora", é eu sei.

- Daí eu sem saber o que fazer, fui e falei que nunca tinha feito nada do gênero. E ta-da, de repente ele ficou pior do que eu tava, sem saber como agir, arranjou uma desculpa qualquer pra ir embora, nem beijo de boa noite me deu. E a única coisa que eu ganhei dele hoje foi uma mensagem dizendo "Não vou pra aula hoje, tenha um bom dia minha linda." - Ela soluçou mais um pouco. - Eu não sei o que fazer, ou se eu fiz a coisa certa, ou se eu acabei mesmo antes de começar meu primeiro relacionamento decente nessa porcaria de vida. Eu sou uma bocó mesmo.

- Ei! O que é isso? Quem é você e o que fez com a minha melhor amiga com personalidade suficiente para nem sequer pensar na possibilidade de se culpar pela imaturidade desse cara?! - Alice sorriu, deixando que eu enxugasse os olhos dela.

- Eu sei, Beca. Só que...

- Não se preocupe, ele só deve estar confuso com a situação. O Sal foge do seu tipo habitual de cara, mas ele... Ele ama você, e ele me convenceu que era verdade, e eu não acho que ele vá te deixar por um motivo desse. Dá um tempinho só pra ele assimilar as idéias, e ele vai ser quem você precisar que ele seja. - Eu falava as palavras pisando num caquinho de vidro a cada uma delas. Eu o amava também. O problema é que eu tava louca de vontade de começar a chorar, e ela conhecia todas as minhas caras pré-choro, era meu dever de amiga protegê-la inventando um disfarce pra choro novo.

- Obrigada. - Alice agradeceu indo pra cama dela.

- Não tem porque. - Ela sorriu, se deitou e passou uns instantes encarando o teto antes de perguntar:

- Beca, dói?

- Dói. Porra, dói muito. - Ela continuou rindo da minha ênfase.

- Mas é bom?

- É. É bom sim. - Alice ficou rindo até adormecer, e eu perdi totalmente o sono.

O sono e a noção, quando às três da manhã saí do quarto, passei pela sala, deixei entreaberta a porta do apartamento e fui parar na escadaria, mandando uma mensagem de celular:

"É muito pedir pra você vir aqui uma hora dessas. Mas eu não acho que eu vá conseguir dormir sem te explicar uma coisa. Beijo. Beca."

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