sexta-feira

Capítulo 11 - Tricô Das Mina (Parte 3)

- Ei menina. Dormiu aí, foi? - Por um segundo, a minha mente sonolenta combinada ao sol quente e à voz que era idêntica, eu imaginei que fosse ele. Mas não era.

- Bem que eu queria ter pelo menos dormido, viu. - Breno sorriu e sentou do meu lado no primeiro batente da escadaria. - Que horas são?

- Cinco minutos pra daqui a pouco e alguma coisa. - Ele disse, olhando para um relógio imaginário no próprio pulso e rindo, eu ri também.

- Dã. - Brinquei, bagunçando o cabelo do gêmeo que não tinha o cabelo curto nem o sorriso torto.

- Brincadeira. São umas seis e dez. Tá cedo... Mas vem cá, por que essa preocupação toda que nem dorme, hein moça? Ainda coisa da tal visita que você fez à sua mãe, é?

- Não não. Dessa vez nem minha mãe tem culpa de nada. A besteira foi toda minha mesmo... - Falei baixando a cabeça, ele bagunçou meu cabelo, todo carinhoso. - Você tem aula agora de manhã? - E ele respondeu com a cara mais empolgada desse mundo.

- Aham, tenho todos os horários na universidade agora de manhã, um ensaio de grupo da peça que a gente tá montando pro projeto lá da Escola Central. - Então eu caí na burrisse de perguntar:

- O Bruno já acordou?

- Ér... Ele não dormiu em casa, Beca. - Tenso. - Eu até pensei que vocês estavam... Juntos.

- Hum, não, tudo bem... - Eu não conseguia explicar nem pra mim mesma o porquê de eu estar tão desorientada quando levantei da escadaria sem sequer me despedir de Breno, que falou qualquer coisa na qual eu não prestei atenção alguma, bem como às sei lá quantas aulas de introdução à moda que se passaram ao longo da manhã.

- Terra para Beca. Terra para Beca. Terra para Beca. - Era Verônica perturbando enquanto eu arrumava minhas anotações.

- QUÊ.

- Calma, gente. - Ela falou, rindo. Eu respirei fundo.

- Ai, desculpa Vê. O que foi?

- Era só pra se você tinha alguma coisa preparada pra aula.

- Eu ia começar um projeto de quadrinho com eles, mas pode ficar só pra próxima semana mesmo... - Ajeitei minha mochila e a gente foi saindo do prédio. - Já sei, manda eles criarem um super-herói.

- Ótima ideia! - Verônica falou, me abraçando quando já estávamos no portão de entrada. - Tem tempo pra gente almoçar?

- Aham. Tenho que estar às três no galpão, alí pertinho da república, pro treinamento... Ainda são onze e meia, tem tempo de sobra. - Amarrava meu cabelo num rabo de cavalo e nós duas atravessávamos a rua, indo pro restaurante de sempre.
Com quinze minutos chegaram Marcela e Sal. Com mais dez, vieram Alice, João e Bruno.

- Cês já pediram alguma coisa? - João perguntou, sentando do lado de Marcela e dando-lhe um beijo na bochecha. Insisti pra trocar de lugar com Alice (ainda com a mesma cara desanimada dos dias anteriores) para que ela ficasse perto de Sal, o que magicamente me fez ficar ao lado de Bruno.

- Não não, a gente tava esperando vocês. - Verônica repondeu, mexendo no celular. - Cadê o Breno, hein?

- Acho que ele não vai vir. - Falamos eu e Bruno ao mesmo tempo. E ele continuou:

- Breno ficou organizando um monte de coisa do Centro comunitário e tal... - Ele falou, virando a página de sanduíches naturais, daí olhou pra mim. - Que você vai comer?

- Tô sem fome... Pede um daqueles sanduíches de churrasco grego pra mim. Cheio de tomate. - Bruno olhou pra mim e riu. - Que foi?

- Imagina quando você tiver com fome!

- Hahaha. Como você é engraçado. - Respondi, dando um murrinho no ombro dele, que bagunçou meu cabelo.

Depois que todo mundo terminou de comer, sob imensos protestos de Marcela sobre palitar os dentes, pagamos a conta e fomos indo em direção à saída.

Alice chamou Sal num canto, mesmo com alguma resistência, ele foi. Eu fiquei enrolando, olhando a mesa de sobremesas. Ela perguntou uma coisa na qual eu não prestei atenção, daí muito sem querer eu fui ouvindo a conversa:

- Eu.. Queria saber te explicar isso, o que eu tô sentindo. Eu só não sei como, eu juro que não sei. - Ele falou, segurando a mão dela sobre o peito dele. - Olha. Olha só o jeito que eu fico quando falo com você... Eu tenho que ir agora pra esse treinamento, e...

- Tudo bem, Sal. - Alice respondeu, séria, soltando das mãos dele. - Então quando você descobrir um jeito de me explicar porque não consegue ficar 10 minutos perto de mim sem arrumar uma desculpa pra sair de perto, você me fala. Você tem o tempo que quiser. - E saiu. Deixando ele lá, com aquela cara que pedia com os olhos um Almir Sater de viola. "Encosta sua cabecinha no meu ombro e chora".

- Sal. - Eu chamei, ele olhou e perguntou:

- Cê tá indo pra lá agora? - Eu fiz que sim com a cabeça. - Eu posso ir com você?

- Pode. - Pode ir e se quiser voltar mesmo depois da gente chegar lá, eu deixo. Eu já te deixei se jogar sem saber de cabeça no buraco negro que é meu coração e tomar conta de praticamente tudo por lá, por que não te deixaria ir comigo?

E fomos o caminho inteiro sem uma só palavra ser dita, entre uma olhar e outro que eu me permitia roubar quando ele não estava vendo. Olhar não mata. Não matava minha vontade de abraçar seus ombros perfeitos, não mata minha vontadeva de sentir o gosto da boca dele, ou de ouvir sua voz sussurrada na minha orelha, não matava minha vontade de não ser mais só, pra ter ele do meu lado, nem de ter ele pra mim. Não matava nada nem ninguém, mas pelo menos eu te podia olhar, Sal. Porque ninguém te disse, e você nunca percebeu.

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