sábado

Capítulo 3 - Encontro (Parte 4)

Entrei no quarto com os saltos nas mãos, na ponta dos pés porque Alice já devia estar absorvida num sono invejável para mim - posto que dois terços do meu peso eram só a consciência. Um passinho, dois passinhos, um tropecinho e lá vou eu me estabacando no chão como uma manga madura, obviamente não privando o resto do mundo do som da queda.

- Beca, é você? - Murmurou a criatura coberta por um edredom e com um travesseiro sobre a cabeça deixando somente seu meigo narizinho pinóquio de fora da caverna aconchegantérrima dela.

- Não, só meu eu-lírico. - Falei levantando, com uma dor na coluna digna de uma rameira. - Porra, essa doeu. - Alice riu, saindo de baixo do travesseiro.

- Caindo assim pelas tabelas... Pelo visto o encontro foi bom, hein?

- Nem me fale em "encontro", Lice. Nem me fale! - Eu disse, fazendo aspas com os dedos, chutando os saltos pra um canto qualquer, a bolsa pr'outro canto qualquer, e depois me jogando no meu canto qualquer favorito daquele quarto: Minha cama.

- Mas vocês não saíram juntos, e coisa e tal, e tal e coisa. - Ela perguntou confusa. - Eu pensei que era um... Encontro.

- Bom, se você achar que um "encontro" é sair com seu amigo de infancia, baladas e festas, pra ouvir música ao vivo, num barzinho, depois dar uma volta numa praça perto de lá...

- Sim, isso é um encontro, e pare de por aspas no ar, isso me irrita! Mas o que aconteceu de tão tão péssimo pra você se revoltar tanto assim?!

- Tava tudo legal entre a gente, tipo a gente sai toda semana e sempre é legal, às vezes vai todo mundo mas muitas vezes fomos só nós dois e nunca aconteceu esse tipo de coisa.

- Que tipo de coisa? - Alice perguntou, curiosa.

- Espere eu terminar de contar, menina. - Reclamei debochada, nós rimos. - Bom, a gente chegou aqui na entrada, e como ainda tava cedo, ficamos conversando e tal, supernormal. De repente surgiu o assunto do primeiro beijo e tal, daí meio que rolou uma espécie de clima nesse assunto porque, né?

- "Porque, né" o quê, sua louca? - Porra.

- Eu e o Bruno ficamos, no aniversário de 15 anos da Marcela, se você não lembra. Mas que amiga sem futuro, lembra nem do meu primeiro peguete, melhor amiga ainda, eu só arranjo essas amigas sem futuro sabe? - E de repente eu levei uma travesseirada nada delicada no meio da cara.

- Deixa de drama, você esqueceu que eu tava dormindo antes de você me acordar em função de ser bocó e andar se danando no chão por aí e que eu não sou lá tão auto-suficiente em termos de raciocínio quando acordada assim? - Eu joguei o travesseiro de volta nela.

- Tá, drama duplo. Sim, mas voltando: rolou meio que uma espécie de clima e ele tentou ficar comigo. Então eu dei um fora no pobre e saí.

- Sim, e daí?

- "E daí" que eu e ele é, sei lá, muito estranho.

- Tá, Rebeca. Eu vou dormir.

- Também te amo, Alice. Boa noite. - Ela fez "legal" com a mão e em dez minutos enquanto eu trocava de roupa pondo o meu lindo shortinho de algodão e uma blusa roxa com a qual eu costumava dormir, Alice já estava com os olhos fechados outra vez. - Tá acordada? - Ela gemeu um "aham" quase inaudível, sem mover um músculo - Cê acha que eu fiz errado em ter dado um fora no Bruno?

- Não, se você não queria, não tinha porquê. - Ela falou com a voz abafada pelo sono, no meio de um bocejo.

Se passaram uns vinte minutos de silêncio enquanto eu olhava pro teto, pensando - Não em Bruno, mas no Sal e sua voz perfeita, e seus ombros perfeitos, e sua postura perfeita.

- Lice, eu acho que eu to gostando de um carinha... Ele faz música, no mesmo prédio que a gente. Ele é lindo e a voz dele é perfeita, mas ele nunca, me viu, sabe?.. Alice? - Eu chamei, ela se levantou num susto:

- An? O que foi? - Acordando, esfregou os olhos. - Falou alguma coisa? - Eu sorri.

- Não, nada. Só quis ver se você tava acordada... Pode voltar a dormir.

Alice se enrolou em sua caverninha outra vez, e adormeceu em questão de centésimos de segundos.

Um comentário:

Ninguém Te Disse disse...

Música: Who Knew - Maria Gadú