terça-feira

Capítulo 1 - A voz (parte 1)

Eu precisei voltar uns dez passos no corredor barulhento pra escutar outra vez. Era uma música lenta, agradável, magnífica. Mas não era pela junção dos acordes, das notas, Não era pela batida, ritmo. Não era por nada disso. Era a voz. Rouca, grave e apaixonante. Marcela e Verônica falavam e eu nem prestei dois dedos de atenção, eu só queria ouvir e ouvir.

Parei estática olhando pelo vidro da porta da sala de mídia, absorvida pelo som que me levara pra um lugar tão mais longe dalí. A voz vinha dele, tão misturado na música quanto eu estava em ouví-la. Com os olhos fechados, ele cantava com um sorriso no rosto que me fazia querer sorrir com ele, pra ele. O ritmo que ele mantinha batendo a mão no joelho, me fazia acompanhar com um balançar de cabeça, mas as batidas do meu coração ainda eram aceleradas. Sua boca me cantava a letra tão bem, e eu seguia a melodia junto a ele, que estava com uma camisa azul e branca encantadora como seus ombros pareciam também ser por baixo do tecido. E minhas mãos tremiam, suadas por um nervosismo em Fá sustenido menor. A música parou, mas eu ainda continuei lá. Parada. Sem voz. Sem ar. Pelo visto sem cérebro também.

- Oi. - Disse ele quando passou por nós no corredor fechando a porta. Eu daria minha olhadela mais paquerante, meu olhar mais penetrante, falaria "oi" e sairia rebolante super sexy. Mas o ar congelou em volta de mim e eu fiquei lá, inerte, bocó, olhando pra ele indo embora. De costas (e que costas) ele conseguia ser tão apaixonante quanto de frente, o jeito como ele andava, sua nuca y otras cositas más.

- REBECA. - Gritaram Marcela e Verônica, então eu as notei e voltei a lembrar que eu devia respirar.

- Deixem de grito, minha gente! - Marcela revirou os olhos, Verônica falou revoltada:

- Sim, se a gente não tivesse gritado, você ainda ia estar aí parada olhando vesga pra bunda daquele... Deus. O que foi isso, criatura?!

- Claro que eu não tava olhando pra bunda dele! - Resmunguei, voltando a andar. As duas me acompanharam.

- A não, a bunda dele foi só depois que ele disse "Oi" e você ficou muda, engasgndo com toda a baba dentro da sua boca por certo. Você tá bem?! - Marcela perguntara, olhando minhas mãos ainda trêmulas.

- Beca, você tá tremendo! - Verônica observou, dando de garra na minha mão. - Tremendo, suando e congelada. Quem é você e o que fez com a minha amiga?!

- Ai deixem de besteira vocês duas! - Falei, Verônira soltou minha mão que vivia um momento protestante e revoltada. - Vocês sabem quem ele é?

- Nunca vi, mas gato. Muito gato. - Verônica disse, olhando-o subir a escadaria da universidade (assim como eu e Marcela). - Mas tá bom Beca, a gente tem uma bela aula de Desenho e a professora já não vai com a sua cara, ou seja.. Tchau Marcela!

- A professora de Desenho não vai com a minha cara porque eu desenho melhor que ela! Rá.

- Encontro com vocês mais tarde! - Marcela disse e seguiu o mesmo caminho que ele, subindo a escadaria. Ele... Meu estômago nomeou-se avatar de Mortal Kombat, virando e revirando somente por lembrar da voz e da música.

Nota mental: Quero vê-lo outra vez. Preciso.


A aula durou a eternidade do intervalo de tempo da hora que eu o vi subindo aquilas escadas até quando Deus atendeu minhas preces e a vaca da professora ficou com uma dor de cabeça infeliz, mas tão infeliz que terminou a aula mais cedo. Rá.

Peguei minha bolsa, caderno e fui andando com Verônica pro corredor das salas de Marcela e Alice, pra podermos ir todas juntas pra casa.

Nós quatro morávamos na República de Belas Artes, um prédio cheio de apartamentos pros universitarios do campus perto da escola central de artes e recreação. Eu e Verônica cursávamos Moda, Alice fazia Cinema, Marcela fazia teatro assim como os gêmeos que moravam vizinho a gente, Breno e Bruno. E todos éramos voluntários na escola central, que era dos avós dos gêmeos, que são podres de ricos.

- Ei. - Alice falou enquanto procurava alguma coisa no estojo muito entretida. - Fila pro banheiro já tem? Tô morta de calor!

- Eu vou primeiro! Preciso urgentemente de um banho. - Marcela disse, manifestada se abanando toda suada. - A aula de expressão vocal foi ótima, mas deu um cansaço infeliz!

- Nem foi só em você. Haha - Bruno disse rindo e passando a mão no cabelo, bagunçando-o. Era bonito, mas não tanto quanto Ele. O porte de seus ombros era perfeito, mas não tinha os músculos dELE, nem a voz por causa do aparelho. Mas era fofo. Bruno saiu andando na frente, tirando a camisa. Aiai..

- Beca. - Verônica me beliscou, rindo. Breno e Bruno entraram no apartamento vizinho. - Pelo menos disfarce o olhar!

- A gente tem que observar as coisas boas dessa vida né não, amiga? - Marcela e ela reviraram os olhos, rindo. Alice achou a chave e rodou-a na fechadura da porta.

- Eu vou depois da Alice! - Verônica marcou seu lugar na fila pro banheiro, pondo umas sacolas na bancada da cozinha e abrindo a geladeira. - Hoje é a vez de quem fazer o jantar, hein?

- Marcela! - Gritamos eu, deitada no sofá, e Alice que estava ligando o computador no nosso quarto. Marcela se revoltou pondo a cabeça pra fora da porta do banheiro:

- Nada disso. Eu ja fiz o jantar antes de ontem e fui na rua hoje de manhã pagar todas as contas do apartamento! Hoje era dia da Beca!

- Um: Eu arrumei a casa, lavei o banheiro e a louça hoje de manhã. Dois: Você tem certeza de que quer comer um jantar feito pela minha pessoa? Eu particularmente não quero.

- Nem eu. - Observou Alice.

- Faz sentido.. Eu também não quero. - Verônica disse. - Eu arrumei a casa com a Beca hoje, a Alice fez o jantar e lavou a louça de ontem.

- Só sobrou você, Marcela! - Alice gritou lá de dentro.

- Anda, bicha! Toma banho e faz esse jantar que eu lavo a louça pra você! - Prometi. Ela mostrou a lingua, concordou e bateu a porta do banheiro.

- Nam! Tudo eu. Tudo eu. - Ela ficou resmungando sozinha dentro do banheiro. Pra variar. Marcela era a riquinha mimada mais prendada e simples que eu já conheci na vida.

(continua)

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