quarta-feira

Capítulo 4 - Foto de Segunda (Parte 1)

O despertador tocou mecanicamente às seis em ponto como todas as manhãs desgraçadas de segunda-feira. Me arrumei, tomei café sozinha, porque eu era a única criatura depressiada por Deus a ter aula na segunda de manhã. Peguei a câmera e rastejei de preguiça até o ponto de ônibus.

Claro, depois de uma madrugada rindo das palhaçadas nas especulações de Rebeca em função do desaparecimento noturno de Marcela que até a hora que eu deixara o apartamento, não tinha voltado para casa deixando somente o bilhete "Não me esperem, rá".

A tarefa da aula de Fotografia sobre o conceito de beleza era super simples. "Saia por esta porta e fotografe o que você achar belo." disse o professor, então eu, assim como todo o povo daquela sala sonolenta da turma de cinema, me debandei porta afora com uma camera na mão. Só havia um problema, nenhuma das coisas que eu via me pareciam bonitas de verdade. Era segunda de manhã num prédio de Humanas, todo mundo com cara de mau humor, olheiras dignas de pandas asiáticos na cara e/ou sem maquiagem o suficiente. Mas eu continuei procurando por algum tanto de tempo. Até que encontrei.

Moreno, sentado no canto do terceiro degrau da escada, num jeans despojado e camisa de uma banda famosa dos anos noventa que deixava seus fortes braços à mostra, um violão nas costas, olhando para o nada com fones no ouvido. E de repente eu abstraí do que era o chão, eu devia estar no céu. Ele parecia um anjo caído alí por acaso, quieto, belo - não o cantor, o adjetivo, a perfeita definição pra ele. Então apontei a lente da câmera para ele, que por algum motivo o qual eu morri de tanta curiosidade pra saber, ele fechou os olhos, baixou a cabeça e sorriu. Foquei a lente e apertei o botão como um gatilho, disparado em sua direção. Daí ele olhou pra mim e sem saber o que pensar, fazer ou falar, eu sorri burra e involuntariamente dei meia volta e saí andando nem Deus sabe pra onde.

Quando dei por mim, estava sentada numa das mesas da cantina, ele chegou até mim, apontou pra cadeira ao meu lado, tirou um dos fones da orelha e perguntou:

- Alguém vai sentar aqui? - Rindo de lado, numa voz cálida, grave e definitivamente arrepiante. Fiz que não com a cabeça, ele puxou a cadeira e sentou-se de frente pra mim. - Posso ver minha foto?

- Que foto?! - Perguntei, desconfiada, sem conseguir parar de olhar pra ele, que riu.

- A foto de mim que você acabou de tirar, deixa eu ver? - Ele pediu, arqueando a sobrancelha elegantemente inquiridor.

- A câmera é de filme, tem que esperar revelar pra poder ver a foto. - Ele apertou o olhar e sorriu outra vez. - Por que o sorriso?

- Porque se eu tiver que ver a foto, vou ter a chance de te encontrar por acaso outra vez, minha linda. - Minhas mãos formigaram e eu baixei a vista sem conseguir sustentar meu olhar no dele. Eu tinha a sensação de que meu coração ia qubrar minhas costelas de tanto que ele se debatia insanamente lá dentro. - À propósito, meu nome é Sal.

Ele falou estendendo a mão na minha direção, e sem outra saída eu a apertei. Arrepiando toda a minha espinha dorsal, dando uma pausa de quase três segundos em todas as sinapses do meu cérebro que não envolviam linhas de pensamento em relação à ele, a maciez de seu toque, o charme de seu sorriso...

- Sal... - Falei depois de uma longa pausa retardada olhando pra ele sem dizer nada. - Que nome...

- Estranho, eu sei. Na verdade é sobrenome, Eduardo Sal. E o seu? - Ele perguntou ainda sem soltar minha mão.

- Alice. Alice Ribeiro. - Eu disse, tentando fazer com que minha voz não parecesse lá muito afetada. Ele levou as costas da minha mão até sua boca e beijou-a, arrepiando o resto do meu braço.

- Uma imensa alegria em conhecê-la, minha linda. - Alguém o chamara em algum lugar perto dalí. - Tenho que ir, mas não esqueça, nem da foto, nem de mim. Porque eu sei que vou passar boa parte o resto dos meus dias lembrando que eu quero as duas. A foto e você.

E simplesmente levantou da cadeira e saiu andando para uma das salas no corredor, levando alguma coisa minha com ele - provavelmente minha lucidez.

Um comentário:

Ninguém Te Disse disse...

Música: Te tomaré una foto - Tiziano Ferro