sábado

Capítulo 5 - Abrigo (Parte 2)

Levantei com preguiça, faltavam dez minutos pra minha aula na escola comunitária, corri pro banho. Nunca tinha ninguém em casa a essa hora, então eu estava livre de explicações sobre minha cara de enterro ontem, mas não pude me safar por muito mais tempo.

Era terça, as tarefas da terça sempre eram minhas e de Marcela, já que só nós duas não tinhamos aulas (para assistir ou dar) nem na escola comunitária, nem na universidade depois das seis da tarde. Eu não vi Bruno, nem Sal, nem Alice o dia quase inteiro, e eu me senti mal por ficar feliz em relação à isso. Mas eu não tinha como me livrar por muito tempo.

- Beca. - Marcela começou como quem não queria nada. Do mesmo jeito que sempre fazia quando queria saber alguma coisa. Enquanto eu lavava o banheiro estranhamente calada e ela varria a sala.

- Oi. - Respondi normalmente, esfregando a pia com dois dedos exagerados de força a mais que o normal em função de uma crosta de pasta de dentes que alí se alojara.

- Você vai me dizer o que aconteceu ou eu vou ser obrigada a pôr a ponta de uma faca no meio dos seus peitos pra você me falar o que diabo ta acontecendo aqui? - Sabe lá Deus como, mas Marcela conseguia parecer delicada quando falava esse tipo de coisa. Era o jeito dela de ser doce, se preocupando com os outros, e sem nenhuma sutileza nisso.

- Nada, Marcela. Acho que você tá é vendo coisa. - Falei continuando a esfregar a maldita mancha de pasta de dentes na pia, entretida. Marcela apareceu de repente na porta do banheiro, eu olhei pra ela me olhando com o olhar mais inquiridor que eu já havia visto.

- Minta comigo, não pra mim. - Ela disse, eu sorri.

- Você viu a foto? Do flertoso, moreno, da Alice. - Marcela fez que sim com a cabeça com uma cara de "Que porra isso tem a ver com a conversa" - Você olhou bem quem é o cara da foto? - Uns dois minutos se passaram até ela ligar uma história à outra.

- É o seu cara, o da sala de música. Não é? - Ela falou.

- Ele é dela agora. Ele escolheu ela, ele deu em cima dela, e no fim das contas, ela falou primeiro.

- Isso não tem nada a ver Rebeca, você gosta dele, desde antes deles se conhecerem.

- Sim aí eu vou chegar pra Lice: "Oi Lice, sabe esse cara que você não desprega da foto, fica falando dele, de como ele é lindo e de como ele é perfeito enquanto dá em cima de você? Pois é, eu vi primeiro, eu gosto dele, rala biscate!" Não né, Marcela! E além do mais, ela nunca se deixa interessar por ninguém..

- Como se você sempre se deixasse, Beca. Eu nunca te vi olhar pra alguém como você olhou pra ele, sei lá, parecia que não tinha mais ninguém no mundo a não ser ele... - Eu respirei fundo.

- Eu já decidi. O Sal é dela agora, eu não vou fazer nada pra separar eles e nem que eu quisesse faria. E nem você, nem ninguém vai contar pra Alice, certo? Você vai mentir comigo e mentir muito bem mentido. Tá me ouvindo, Marcela?

- Pode deixar. - Ela disse sorrindo sem humor, fez como se fosse voltar pra sala mas voltou - Você é uma boa amiga sabia?

- Eu seria. Se tivesse tido coragem de ficar aqui ontem e frescar com todas as perguntas capciosas que eu tinha pra você sobre uma certa noite passada que a sua pessoa resolveu não dormir em casa, né dona Marcela?! - Eu ri, muito. E como eu presumi, Marcela me estirou a lingua, vermelha de vergonha. Nós duas voltamos à faxina morrendo de rir. - Quem é o bofe?

- É o rapaz mais... - Ela parou assim, olhando pro nada e rindo - Sei lá, doce e inteligente do mundo. Lindo, fofo, tudo. A gente se conheceu e saiu na sexta, no sábado... Mas o domingo... Acho que até dá pra criar esperança com esse, sabe. - Eu sorri olhando enquanto ela contava. - Ele faz publicidade, aulas no mesmo setor que a gente, super carinhoso, cabelinho cacheado, atencioso, tem bom gosto pra se vestir, gosta de musica clássica e, o principal, ele ligou no outro dia... Eu admito, estou apaixonada.

- Como é o nome dele? - Perguntei, enxugando o resto da pia do banheiro e o chão.

- João. - Marcela falou - Acho que eu vou chamar ele pra vir aqui na sexta, daí eu faço um jantarzinho esperto pra todos nós.

- É uma ótima idéia. - Eu disse - Prender o bofe pelo estômago, né safada?

A gente riu e terminou de arrumar o resto da casa mais rápido do que pensávamos, ao som daquele cd interminável do Daughtry.

Um comentário:

Ninguém Te Disse disse...

Música: No Surprise - Daughtry