domingo

Capítulo 8 - Belo Desastre

Éramos nós dois numa sala vazia e mal iluminada pelo que ainda restava de luz na tv sem som. A boca dele na minha boca, a mão dele segurando minha nuca e minhas unhas passeando docemente pelo seu pescoço.

Bruno era um rapaz de ávidos talentos, mas nenhum deles conseguia se comparar com o modo como ele conseguia deixar aquele sofá minúsculo só pelo jeito como passava a mão pelas minhas costas, segurando minha cintura. Era respeitoso, até certo ponto - por influêcia minha, confesso. Eu mordia a orelha dele, enquanto ele beijava meu pescoço e tentava distrair minha atenção da mão que ia passando da minha cintura, subindo marotamente como se eu não fosse perceber. "Provocar" era a palavra certa. Coloquei meu braço recostado no sofá, impedindo delicadamente que sua mão continuasse a subir, o que não durou lá muito tempo até eu ceder àquelas mãozinhas mágicas, enrosquei minha perna na dele e quando dei por mim, valha-me Deus... Num lapso de consciência moral, tomei de volta pra mim meu cérebro e me afastei um segundo.

- O que foi? - Bruno perguntou ofegante com uma cara confusa. Eu me sentei novamente tentando sem muito sucesso desamassar minha roupa, até porque coleguinha, você bem deve imaginar como já não estávamos. Eu dei de ombros, fazendo que não com a cabeça.

- Não, nada... É só que... Vamos um pouco mais devagar. Tudo bem? - Eu vi ele sorrir de lado, antes de se aproximar do meu rosto e dar um beijo no canto da minha boca com cara de "não se preocupe com isso". E passamos mais um bom tempo calados, Bruno deitou a cabeça no meu colo só que virado pra mim, pra que eu pudesse ficar assanhando o cabelo dele quieta enquanto ele mordia minha barriga, mas um determinado momento ele resolveu ficar quieto.

- Beca. - Ele me chamou, distraído com alguma coisa no teto.

- Oi. - Respondi sem prever a pergunta que estava para ser feita a seguir:

- Beca, você é virgem? - De repente eu me engasquei com o nada. Senti minha cara ficando mais vermelha que... Que... Sei lá, pense em uma coisa muito vermelha. Pronto, isso aí.

- Que espécie de pergunta é essa, Bruno?! - Perguntei nervosa, ainda tossindo engasgada e rindo. Ele se sentou no sofá e deu de ombros, sem sorrir dessa vez.

- Só uma pergunta, ora.

- Uma pergunta muito indiscreta, só pra constar. - Eu disse, levantando do sofá, coçando minha cabeça nervosa e um tanto envergonhada. Passos, risadas exageradas e chaves tilintando ao girar na fechadura, graças ao meu bom e adorável Deus. Ou não.

- Uh la lá.. - Falou Marcela com todo o sotaque francês que ela não tinha, ao entrar no apartamento e ver Bruno no sofá com uma almofada muito oportunamente localizada entre suas formidáveis pernas. - Parece que atrapalhamos alguma coisa, Verônica...

- Bom, er, tchau. - Bruno disse, correndo pra porta, deixando a almofada sobre o sofá e saindo depois de voltar pra mim e dar-me um beijo na bochecha.

- Ai Marcela, quanta indiscrição! - Verônica disse, depois de um rápido beijo em Breno que, sem zoar comigo (ainda bem), seguiu seu caminho rumo ao apartamento ao lado atrás do irmão. - Os dois só estavam se aproveitando de uma instigante noite de sábado no sofá da sala. Afinal, qual de nós nunca se aproveitou desses raros momentos de vazio nisso aqui não é? - E fechou a porta, eu revirei os olhos.

- Beca, Beca, Beca. Você nos mata de orgulho! - Marcela disse, pulando em cima de mim, subindo nos meus ombros, meio bêbada.

- E vocês me matam de vergonha. - Falei, jogando-a no sofá, rindo.

- Cadê a Lice? Ainda não chegou? - Verônica perguntou, a caminho da lavanderia ao lado da cozinha pra pegar sua toalha pink berrante.

- Ainda não chegou. - Eu disse, sentando no sofá, deixando Marcela vir deitar a cabeça cheia de cachaça no meu colo.

- Quem diria que este dia iria chegar! - Manifestou-se Verônica, indo pro banheiro com um certo desequilíbrio ébrio que fez o corredor parecer mais cheio de curvas que o normal. - Nós três em casa antes da Alice! É quase que um milagre minha gente, esse Pimenta... Orégano...

- Sal. - Corrigimos Marcela e eu.

- Seja lá qual for o tempero que ele tem no nome, ele merecia ser canonizado por conseguir arrancar a Alice dessa casa até uma hora dessa num sábado à noite. Porque né?! - Ela entrou cambaleando no banheiro, fechou a porta, ligou (sabe lá Deus com que coordenação motora) o mp3 do celular e o chuveiro.

- Bora bicha, contando, 1 2 3, cada posição louca e perversão sexual... - A bocó da Marcela começou, eu comecei a rir. - Agora pronto, nada de rir não minha filha, eu quero detalhes!

- Detalhe de quê, criatura?! Não aconteceu nada... Nem vai acontecer, por enquanto. Eu acho.

- Ave. - Ela falou forçado um ar bravo mas se acabando de rir. Levantou toda tonta do sofá, bagunçando meu cabelo. Deu dois passos e recuperou o equilibrio e por um segundo oportuno, sua sanidade. - Mas é assim mesmo... Não se sinta obrigada a nada não. Faça o que quer que seja, mas só quando você quiser, viu? Bruno é um bom menino, e é claro que você já sabe disso, e credo, porra é essa que eu tô parecendo minha mãe tendo "aquela conversa" comigo?! - Nós duas rimos. - Acho que a vódega afetou meu cérebro mais do que eu previ... Vou ali dormir. E a gente continua essa conversa amanhã, mocinha.

Marcela conseguia ser elegante até mesmo bêbada, seu porte de bailarina lhe caía bem com a cintura afilada no vestidinho rosa que eu tinha desenhado pra ela, segurando os saltos nas mãos e o cabelo amarrado no alto de um rabo-de-cavalo. Ela parou um segundo e deu meia-volta olhando pra mim.

- Mas e o Sal?

- Ele é dela. - Eu disse, dando de ombros. - Estou tentando não pensar muito mais que isso.

- Bruno sabe? - Marcela perguntou, eu fiz que sim com a cabeça. Ela, apoiando seu ombro à parede, fez uma cara que dava pra ver no rosto dela que seu coração estava apertado de um modo sobrenaturalmente empático ao meu. - Você vai ficar bem?

- Vou tentando. Não tem como saber se eu consigo ou não, mas é como dizem...

- Qual a graça de viver sem correr riscos, não é mesmo? - Marcela completou a frase sorrindo comigo. Levantei a sobrancelha, nós duas baixamos a cabeça e fomos para nossos respectivos quartos.

Conversar com Marcela, proteger Alice e estar com Bruno me lembraram coisas que eu nunca consigo lembrar de ter tido. Eles se importavam comigo e era recíproco. De repente senti uma saudade imensa, ela já não me atendia há mais de um mês, mesmo assim disquei o número. Mas era quase uma da manhã, minha mãe podia esperar, amanhã eu ligo. Juro que ligo.

Um comentário:

Ninguém Te Disse disse...

Música: Avenida - Unidade Imaginária