segunda-feira

Capítulo 9 - Escadas

As paisagens passavam muito rápido pela janela do ônibus, Beca tinha os olhos fechados e os fones na orelha se (e me) odiando por ter que estar alí. Eu sabia como era pra ela estar indo pra lá de novo, afinal eu estava na ultima vez e "agradável" não era bem a palavra que poderia definir a possibilidade daquela sensação novamente.

Gritos e insultos ecoavam naquela memória que eu tinha guardada há tanto tempo, e a julgar pela veia tensa que pulsava freneticamente na testa de uma Rebeca aparentemente calma e anormalmente quieta, tudo aquilo passava pela mente dela também.

- Eu não sei se devo fazer isso, Lice. - Ela disse no desespero que tentou disfarçar desde que havia concordado em vir, assim que descemos do ônibus, com os olhos cheios d'água e um tom tremido na voz.

- Eu tô com você, Beca. - Eu tentei um sorriso encorajador, como se o que eu tinha acabado de dizer fizesse alguma diferença. - Vai ficar tudo bem. E se não ficar, bom, eu ainda vou estar aqui, eu acho que sempre vou estar aqui. - Beca abriu os braços e eu senti o peso dos nossos 200 anos de amizade nos meus ombros naquele abraço que ela me deu. Então tomamos a rua certa a pé carregando as mochilas e os corações na mão, tão ou mais apreensivos quanto estavam antes de sair de casa, o dela muito mais que o meu, imaginei. Era preciso que ela tentasse, era necessário.

-

Quase meio-dia quando chegamos em frente a casa. Eu reuni toda a minha coragem e toquei a campainha, a mão de Alice segurava meu ombro quando alguém girou a maçaneta e a porta abriu.

- Becaa! - Gritou a garotinha num sorriso banguelo pulando no meu pescoço desesperada por um abraço. - Eu pensei que você não ia vir, mas você veio, você veio Beca! Quando eu liguei e pedi pra Alice te trazer, eu... Não acredito que veio!

- Peraí, como é?! - Desatei os braços de Isa do meu pescoço delicadamente, confusa - Você disse que minha mãe tinha ligado, Alice!

- Foi ideia minha Beca, não brigue com ela, eu queria que você viesse! - Falou Isa puxando minha mão freneticamente. - Eu precisava de você aqui.

- Ela pelo menos sabe disso?! Ela sabia que eu ia vir?! - Era perfeitamente notável o tom de desespero na minha voz, Alice e Isa se entreolharam nervosas. Eu simplesmente cuidei em botar minha mochila nas costas novamente, dar meia volta e começar minha caminhada de volta até a rodoviária.

- Rebeca! - As duas me chamaram, eu ignorei e continuei andando. Ouvi passinhos rápidos correndo atrás de mim, então parei.

- Eu não vou deixar ela te fazer mal, Beca.

- Você não entende, Isa... - Eu disse, me agachando pra ficar da altura dela.

- Claro que eu entendo, Beca! Você é minha irmã! Tá, meia-irmã, tanto faz, mas eu vou te proteger! É o meu aniversário de 7 anos, eu preciso de você aqui! É importante para mim! - E me abraçou outra vez. Não tinha como não ficar. E isso era uma pena, pra mim.

- Anda, vamos, esse sol tá me matando! - Eu disse, levantando e bagunçando o cabelo dela. - Eu te trouxe um presente.

- Só um? - Ela disse olhando pra mim imitando minha cara de insatisfação, botando o cabelo no lugar.

- Tá ficando abusada, hein? - Nós duas rimos, até entrar na casa. Alguém ligou um liquidificador. - Tem alguém além da gente aqui?

- Só a Di, lá na cozinha. - Isa falou, sabendo que eu correria pra lá automaticamente.

Tudo ainda era do mesmo jeito, as paredes rosadas, os azulejos no chão. Tudo ainda era do mesmo jeito, menos as fotos na parede - nenhuma delas tinha eu. Não que eu me importasse. Eu simplesmente passei por elas e cheguei à cozinha.

- Sabe que eu nunca consegui encontrar uma vitamina de cajá como a sua, não sabe Di?

- AH! MEU DEUS!!! REBECA! - Di soltou o liquidificador e correu pra me dar um abraço. - Eu não achava que você iria vir, mas olha só, aqui está você! Quando a Isinha disse eu pensei que... Ah meu Deus, Beca, você está aqui! Eu pensei que... Você está tão...

- Linda? - Sugeri.

- Cadavérica! Não tem comida onde você está morando?! Eu vou fazer um almoço maravilhoso para todas nós... Pelos nosso sempre tão bons tempos...

Os olhos dela estavam tão afogados em lembranças quanto os meus, afinal haviam sido 17 anos de convivência com a irmã mais velha que eu havia escolhido, até aquela bendita noite. Ela deu um tapa no meu braço.

- Como é que você sai daqui e não me deixa nem um número de celular verdadeiro?! Essa criança maligna e super-dotada - Di apontou pra Isa - quase sequestrou alguém na compania telefônica, movemos meio mundo pra conseguir o celular da Alice... Cadê a Alice?! Alice!

Di me soltou e correu pra abraçar uma Alice sorridente encostada no vão da porta.

- A Di arrumou o seu antigo quarto pra vocês.

- Isa, eu não acho uma boa ideia a gente ficar aqui... - Eu disse. - A gente pode ficar naquela pousada perto da praça, ainda é uma pousada, não é?

- Mamãe só chega amanhã à noite, fiquem aqui hoje, pelo menos hoje, não há com o que se preocupar. - Isa falou, ainda com seu sorriso sem um dente da frente.

- Fica, Beca. - Di disse. - Eu vou dormir aqui hoje também, estou cuidando da monstrinha desde o começo da semana.

- Mamãe deixou de te achar uma má influência? - Perguntei irônica.

- Não, mas eu era a única babá disponível que não cobrava olhos da cara pela semana inteira neste fim de mundo. E é mais fácil eu ser a influenciada quando se trata dessa criaturinha banguela!

- Claro! Essa aqui é das minhas! - Falei agarrando Isa pelo pescoço e fazendo cafuné, bagunçando todo o cabelo dela.
- Vamos, onde está aquele almoço maravilhoso anteriormente citado?! Eu tô morrendo de fome! - Isa disse enquanto lutava pra sair da minha chave de braço.

- E então Beca, vamos ficar? - Alice me perguntou, eu levantei a sobrancelha.

- Tá, tudo bem. Mas só hoje, certo?! - As três sorriram, e eu fui obrigada a sorrir também.

- Anda, vamos deixar as coisas lá em cima. - Alice disse, e eu a segui.

2 comentários:

Priscila Garcia disse...

O que será que vai acontecer heim?
Ansiosa pelos próximos posts.. hehehe
=***

Priscila Garcia disse...

me manda notícias qdo postar.. ;)