terça-feira

Capítulo 2 - Condinome de bandido

O dia raiou na minha janela sem cortina e Alice dormia, babando no teclado do computador. Eu ri, pateta, sozinha. Levantei da minha caminha confortabilíssima - minha vez de fazer o café-da-manhã. Um shortinho de algodão minúsculo e uma camisa bem maior que eu e laranja, me serviam de pijama nesta agradável manhã de sexta-feira. Por que meu bom humor? Hoje eu tinha aula. Por que isso é motivo para estar de bom humor? Porque eu o veria outra vez, e isso é mais que um motivo, é uma razão pra, no mínimo, dar "bom dia" a alguém mesmo acordando às seis da manhã.

Fui pra cozinha, liguei o rádio. Passava um desses Exaltasambas da vida em alto e bom som, e eu tinha, como ótima pagodeira embutida que sempre fui, as letras na ponta da língua.

- Eu bem que te falei, por favor, não brinque comigo. Te avisei! Eu sei que minha vida, sem você não faz sentido, mas parei!.. ?- Muito bem empolgada, enquanto fritava os ovos. - BOM DIA AMIGA! - Verônica chegou esfregando os olhos e morrendo de rir. - Que foi?

- Certo que é sexta-feira, mas cachaça uma hora dessas, Beca? - Eu ri.

- A pessoa não pode nem ser feliz enquanto faz o café-da-manhã?! - Eu continuei cantando. Verônica continuou rindo e abriu a porta do apartamento pra deixar o lixo lá fora.

Eis que entra correndo depois de Verônica, aquela criatura sem camisa, todo suado, só com um calçãozinho de corrida, um fone na orelha e um sorriso safado na cara.

- Bom dia flores do dia. - Bruno falou, tirando os fones.

- Tá vendo aí, dona Verônica?! Bom humor de manhã é uma coisa super normal! Bom dia, Bruno! - Eu disse. - Quer tomar café? Eu que fiz.

- Uma mulher absurdamente linda com um shortinho tão curto como o seu me pedindo pra provar do café dela? Mas é claro que eu quero. - Ele falou galante vindo pra pertinho de mim e me dando um beijinho no rosto.

- Tá, senta aí. - Fui no armário e peguei um prato pra ele.

- Beca, o que vai fazer essa noite? - Perguntou Bruno, ainda sem tirar o sorriso safado do rosto.

- Provavelmente nada de interessante. - Disse meio desanimada, mas sem deixar de sorrir - Por que a pergunta?

- Eu só tava pensando se uma hora dessas a gente podia sair...

- Pode ser. - Falei pondo café na xícara dele. - Depois da aula a gente combina pra onde vai, certo?

- Como queira, Beca. - E sorriu. Depois que Bruno acabou e saiu, Marcela, Alice e Verônica resolveram vir comer, já eu aproveitei a primeira vaga pro banheiro.

Eu andava cada passo contando os segundos só pra olhar pra ele de novo. Me equilibrando na quina das calçadas, serelepe e sorrindo pro nada feito uma bocó. E pensando: Só olhar, olhar não mata.

- Terra para Beca? - Disse Verônica enquanto eu perambulava retardadíssima pelo caminho.

- Oi. - Respondi sem parar de sorrir.

- Essa leseira toda é só por causa do encontro com o Bruno hoje? - Ela perguntou enquanto amarrava o cabelo num rabo-de-cavalo.

- Encontro? Ah, a gente só vai sair, nada demais! - Falei dando de ombros, entrando no campus da universidade com os olhos e ouvidos bem atentos e à procura dele.

- No meu país, isso é um encontro. - Insistiu Verônica. - Garanto que no dele também é.

- Se for, coitado... - E perdi a voz. Lá estava. Ele.

Todo lindo bagunçando o cabelo sentado da escadaria com um violão nas costas. Das duas uma, ou ele faz Música ou é uma baita de um vagabundo - como diria a tia de Alice. Só que pra mim não importava o que ele fosse... Mas o que é que eu tô falando?!

- Droga. - Pensei em voz alta, sem tirar meus olhos dele e sem que meu coração deixasse de acelerar. Droga, droga, droga. E passei pra minha sala, ainda olhando pra ele, que não notou.

- Beca. - Verônica me chamou enquanto eu anotava o trabalho que a professora de história da moda passava. - Vai fazer o quê depois daqui?

- Vou atrás do Bruno pra saber onde a gente vai essa noite, dar minha aula na escola central, depois casa. Por que?

- Por nada... - Ela disse. - É que... Vou passar o fim de semana na casa dos meus pais e...

- Tá, eu faço esse trabalho pra você. - Ela agarrou meu pescoço.

- Beca Bequinha do meu coração, você é minha amiga mais linda desse mundo, sabia?

- Claro que sabia. Agora me solta porque, desculpa, eu sou hétero. E você fica me devendo essa!

- Amo você quando tá de bom humor. Me lembre de agradecer ao carinha que canta! - Eu levantei a sobrancelha. - O quê? Jura que esse bom humor todo não é por causa daquela beleza máscula e talento excepcionais? Por que se não é o Bruno, tenho certeza que é por causa dele!

- Tá. É. Pronto. Falei. Tá feliz?! - Me revoltei cuspindo uma palavra de cada vez, nervosa.

- Mentira! - A retardada sussurrava se manifestando - Eu pensei que ia morrer sem ver isso!

- O quê, criatura?! - Perguntei já sem paciencia.

- Pensei que eu ia morrer sem ver você apaixonada. - Revirei os olhos, terminei de escrever, então acabou a aula.

- Tchau. - Eu disse, sem ânimo.

Na saída, eu o vi outra vez, saindo de uma determinada sala conversando com dois outros caras. Será que ele é gay e não olha pra mim por isso? Não... Ele é másculo, musculo e muito suficiente pra essas coisas assim. Ele gosta de mulher, ele não gosta é de mim!

Resolvi me encaminhar até a parada de ônibus. Eis que eu pego o ônibus e os dois caras que conversavam com... Ele, estavam sentados lá também, nos lugares à minha frente. E é ÓBVIO que eu tava ouvindo a conversa deles.

- Tu vai no Sal hoje? - Falou o mais loirinho que carregava baquetas ritmando-as no banco da frente. - Ele vai tocar na Taberna, o bar do tio daquela menina da nossa sala.

- Hoje? Mas ele não tinha dito que parecia que ia ser amanhã? - Duvidou o mais baixo de boné vermelho.

- O cara falou agora quando a gente tava saido da sala, pediu pra gente ir. Fora que o filho da mãe canta e toca muito, muito, mesmo! - Estavam falando dele.

- Acho que eu vou. Não é certeza, não vou tanto com a cara dele não, tem mania de boa praça, mas a musica dele vale a pena se ouvir. Fora que quem tem um nome desses? "Sal". Nome de gente que não presta, tipo aqueles apelidos de gangue, condinome de bandido, sei lá...

- Você anda assistindo Tropa de Elite demais, isso sim. - O loirinho disse, batendo a baqueta na cabeça do amigo e levantando pra pedir parada. - Se resolver ir, é na rua dos anjos, número 16, lá pelas 10 da noite. Na rua daquela praça que tem a fonte dos namorados, só que lá no final. E é um cara legal, só é mulherengo e ficou com a tua ex. Esse é o teu problema com ele. - O loirinho das baquetas deu uma gargalhada da cara emburrada do anão de boné vermelho, saindo do ônibus. Até eu ri.

Agora eu já tinha quatro coisas: Um, ele não é gay. Dois, ele é mulherengo. Três, Sal, que nome estranho. Quatro, já tinha onde ir com Bruno hoje a noite. Pedi parada pro motorista e desci daquele ônibus tão feliz, mas tão feliz, que seria capaz de dar um triplo mortal carpado e cravado alí na rua mesmo. Mas eu não o fiz, só entrei na escola comunitária e perguntei pro Seu Zé (O porteiro sem os dentes da frente mais gato do mundo) se o Bruno já tinha chegado.

Um comentário:

Ninguém Te Disse disse...

Música: Radar - Britney Spears