quarta-feira

Capítulo 7 - No Love, No Glory (Parte 2)

Simplesmente levantei, com uma vontade infeliz de gritar com Bruno, me sentindo traída. Não me lembrava de ter feito nada para que ele deduzisse aquilo sobre aquela noite, e pior, comentar esse absurdo com Breno. Pra não sair bruscamente, falei que ele devia ter entendido errado. Andei até a porta e saí andando.

Não demorou nem um minuto e eu ouvi os passos apressados vindo atrás de mim.

- Beca!... - Lá vinha ele, correndo ofegante. Eu continuei andando, sem olhar pra trás. Ele apressou ainda mais o passo - Rebeca...

Os dedos de Bruno tocaram meu ombro, gelados como o resto da mão dele que segurou meu ombro e me virou de frente pra ele. Minha vontade era gritar até explodir o timpano dele, ou então meter-lhe a mãozada na fuça, mas eu não tinha coragem de fazer isso - quer dizer, eu tinha, mas não com Bruno. Eu apenas disse:

- Não estou em condições de falar com você, não agora.

Fui andando até o primeiro degrau da escadaria e lá me sentei, apoiando os cotovelos nos joelhos e segurando a cabeça com as mãos. Ele ficou parado, ainda olhando pra mim daquele jeito, ensaiando mentalmente a resposta de uma pergunta que eu não fiz. Verônica saíra rebocando Breno do nosso apartamento pro dele, conseguindo a proeza de deixar o ambiente ainda mais tenso. A outra porta se fechou, Bruno tomou fôlego e começou:

- Eu disse nada daquilo!

- É, seu irmão deduziu aquilo sozinho. - Levantei a sobrancelha e sorri irônica.

- Olhando assim parece que você não me conhece, Rebeca! Breno é um grande idiota que faz piadinha com qualquer coisa. Você sabe como ele é...

- Ele é idiota, não burro, Bruno. Ele não ia tirar uma coisa dessas DO NADA... Porra, que vergonha.

- Mas você não tá querendo dizer que eu que falei aquilo pra ele não, né?

- Não, não. Fui eu! - Falei levantando o dedo, sarcasticamente e me calei por um instante. - Você viu o jeito como Verônica e Alice me olharam?.. Como Sal me olhou?... - Balancei a cabeça negativamente.

Eu esperei ele esperniar por eu estar sendo incompreensiva com ele, pensei que ele iria negar outra vez, se defendendo e pedindo perdão, falando mais desculpas esfarrapadas e coisa e tal, e tal e coisa. Então quebrando toda a minha linha de raciocício sobre o rumo que essa briga viria a tomar, Bruno simplesmente dá de ombros na minha frente e sai andando. COMO ASSIM SAI ANDANDO? Regra número um: Numa briga, nunca deixe uma mulher falando sozinha, mesmo que ela não esteja falando nada. Aliás, numa briga, conversa ou qualquer outra porcaria de ocasião. É irritante, indignante, loucamente deselegante e o único desejo absoluto que se apossa da gente é o de gritar e esbofetear sua cara até que você volte sua atenção para o ponto inicial novamente.

- EI! - Eu levantei do batente e gritei. Bruno parou, olhou pra trás - Pra onde você vai?!

- E por que isso te interessaria? Se você quer ficar aí sentada sozinha amargando a imensa e irreparável vergonha que (supostamente) eu fiz você passar pelo que o meu irmão bêbado falou na frente das suas amigas (que fazem brincadeiras bem mais pesadas que essa) e do cantorzinho meia boca que ninguem nem conhece direito e mesmo assim você ainda olha pra ele como se fosse, sei lá, o ultimo prato de brigadeiro na face da terra e parece sempre estar pronta pra atacar à qualquer minuto, mas só não faz porque a Alice meteu a colherada primeiro, e está indignada com o que ele pode remotamente pensar sobre a sua indole. - Ele cuspia as palavras uma por uma, agressivo e magoado como eu só havia visto umas poucas vezes na vida. E eu, o olhava absorvendo todo aquele discurso revoltado, surpresa e com o coração na mão. - Se é assim que você quer ficar mesmo, por que se interessar com o "pra onde eu vou"?

- Claro que não tem nada disso, você tá imaginando coisa!

- Eu posso ser meio lento às vezes, Beca. Só que eu nunca tive vocação pra tapado. Ou você pensou que eu não ia perceber que ele era o cantor do barzinho que a gente foi naquele dia e você ficou completamente vidrada nele o tempo inteiro que ele estava no seu seletivo campo de visão? Ou que eu não ia reparar no seu olhar quando ele chegou agora à noite e abraçou a Alice?

- E-Eu não sei do q-que você tá falando. Isso não tem o menor fundamento, Bruno. - Gaguejei. Ele sorriu sem humor.

- Óbvio que você sabe. É lógico que você vê. Porque eu só posso ver o que tem dentro daí, de você, nos seus olhos. E ver que eu não passo de um biscoito Passatempo pra forrar seu estômago enquanto a sobremesa completa não vem... É tão evidente quanto a lembrança que eu tenho de como a gente era antes. Riscando a calçada da sua casa com corretivo, enquanto você desenhava aqueles elefantinhos e unicórnios, eu escrevia meu nome junto do seu, você olhava, e ria como quem conta uma mentira boba pra disfarçar a vergonha, porque no outro dia sempre aparecia um coração em volta dos nomes e lembro de você batendo no Breno porque a culpa era sempre dele, e você ficava tão brava que eu ficava com medo de desmentir tudo e dizer que depois que você entrava em casa pra jantar, era eu quem ia lá e botava o coração em volta.

- Eu não sei o que dizer. - Falei, voltando a me sentar, assimilando tudo aquilo. Pedaço por pedaço do discurso de Bruno.

- Aí é que tá. - Ele respondeu, como se eu tivesse descoberto toda a fonte do problema. - Você NUNCA sabe!

- O que você tá querendo dizer com isso?!

- Nada, Beca. Nada! - Ele disse voltando à sua posição inicial, de pé, braços cruzados, na minha frente, fingindo estar olhando pro nada.

- Só porque eu falo essas coisas, não quer dizer que eu não sinta. Eu não sou do tipo que sai por aí gritando todos os meus sentimentos à plenos pulmões, nem que gosta de anunciar (ou ver sendo anunciado) como, quando ou porque vou parar na cama de alguém! - Descarreguei, olhando pra ele, agoniada, com vontade de gritar, tentando deixar que as lágrimas entulhando minha vista não desabassem. - Me desculpe por não ter sempre uma coisa bonitinha pra te falar, ou quase sempre desviar dos assuntos que me deixam vulnerável. Desculpe se eu sou insensível, ou.. sei lá. Nada disso quer dizer que eu não sinta nada, mas eu acabo sentindo tanto ao mesmo tempo que não consigo nem entender, quanto mais falar...

- E sobre o cara da Alice? - Ele finalmente olhou pra mim, perguntando.

- Talvez eu não queira falar sobre isso. - Respondi grossa.

A porta do apartamento se abriu, os dois sairam lá de dentro, de mãos dadas. Mais e mais lágrimas se amontoavam à cada passo deles, e eu olhando pra cima sem deixá-las cair. Um casal apaixonado, composto pela minha melhor amiga e o cara que eu queria, lindo isso. Era uma daquelas horas que você tem que ser forte por mais fraca que esteja. De construir um castelo ao redor de mim, mesmo que fosse de cartas.

- Tchau pessoal. - Sal falou. Tentei forçar um sorriso e acenei com a mão, a veia no canto da testa de Bruno pareceu que ia explodir. Mesmo assim foi cordialmente até Sal apertou sua mão e disse qualquer coisa que eu não prestei atenção. Porque com a outra mão, Sal ainda segurava a mão de Alice e isso infelizmente dominava toda a minha atenção. E continuei a tentar parecer imparcial.

Os dois desceram a escadaria, falaram algo que não deu pra ouvir, então do nada, Sal passou a mão pela cintura dela, e simplesmente a beijou. Sem conseguir segurar, algumas das lágrimas silenciosas despencaram puxando com elas todas as outras. Bruno olhou pra mim, depois pra eles, e sussurrou pro meu lado:

- Tem certeza que não quer mesmo falar sobre isso, Rebeca?

E eu, por minha vez, respondi dando um sorriso sem humor enxugando o rosto.

- Eu estou fingindo estar bem, por favor não interrompa minha performance.

- Você merece mais que isso. - Bruno disse, depois me olhou com cara de pena, beijou minha testa e saiu balançando a cabeça ceticamente pro seu apartamento com as mãos nos bolsos. E eu continuei lá.

Um comentário:

Ninguém Te Disse disse...

Música: Elephant - Damien Rice
/enjoy